Guilherme Henrique Pereira*
Alguns partidos iniciaram um movimento de elaborar e divulgar propostas para o desenvolvimento do país. “A Ponte para o Futuro”, do PMDB e “Por um Brasil Justo e Democrático” , do PT foram os primeiros vindos a público e que logo receberam comentários em artigos publicados aqui na revista Debates em Rede e em muitos outras mídias. Agora, o PSB apresenta “Uma Agenda para o Brasil” comentada neste artigo, seguindo o propósito de levantar o debate sobre todos eles, especialmente sobre o capítulo das sugestões.
Nas oportunidades anteriores destacou-se que este debate é extremamente importante para a democracia, na medida que começa a sinalizar um comprometimento dos partidos com algum tipo de programa. Uma linha que pode levar os partidos a distanciarem-se do atual meros agrupamentos de candidatos para o período eleitoral. No caso presente, o PSB definitivamente se distancia de suas teses históricas e se coloca no vala comum das propostas à direita.
O documento inicia com um ótimo diagnóstico dos nossos problemas e identifica com clareza as raízes históricas do estágio atual de nosso desenvolvimento como nação, economia e sociedade. Mas, ao sistematizar as propostas, revela toda a tristeza e incapacidade em atualizar e concretizar o discurso do socialismo, do campo progressista ou do novo desenvolvimentismo, como preferir.
A “Agenda para o Brasil” (que pode ser lida em http:// fjmangabeira.org.br/ umaagendaparaobrasil ) em seu último capítulo apresenta os seus “vinte pontos para um projeto nacional de desenvolvimento”. A primeira leitura já mostra que não são 20 propostas programáticas, posto que há repetições ou o mesmo assunto dividido em dois ou três pontos. Na seqüência, uma visão geral do que contêm estes pontos:
Pontos 1 e 2 – Não são propostas, mas uma declaração de intenção de que o peso dos ajustes não deve recair sobre os segmentos mais populares, por que já pagaram o custo do reordenamento e que as conquistas sociais (SUS, previdência, políticas de distribuição de renda, seguro desemprego, etc.) devem ser mantidas;
Ponto 3 – Também sem proposta concreta, afirma o compromisso, no campo dos direitos humanos, de defesa das minorias, negros, grupos vulneráveis, gênero, infância, orientação sexual, etc.
Ponto 4 – Ratificação do Acordo de Paris, articulando para implementar as metas contidas nas Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas do Brasil”, também é, na verdade, uma incorporação de intenções na área ambiental anunciada de forma bem vaga;
Ponto 5 - Refere-se a proposta de reforma do quadro partidário e mandatos, sugerindo cláusula de desempenho para os partidos existentes, fim da reeleição, fim da vinculação e unificação do calendário com eleições a cada 5 anos para todos os níveis Executivos e Legislativo. Também recomenda, sem proposta, ampliar os mecanismos de participação popular. São propostas interessantes que podem melhorar a qualidade dos eleitos.
Ponto 6 – Adoção do Regime Parlamentarista, sem dúvida uma proposta inteiramente fora de contexto e que ignora o quadro de profundo descrédito, com toda razão, do parlamento brasileiro. Impensável entregar para esse parlamento mais peso decisório nas ações de governo. Nem aqueles políticos de perfil mais conservador e que gostam de mudar regimes para se manterem no controle, estão confortáveis para falar em parlamentarismo no presente período histórico. Uma reforma política, trajetórias de profundas mudanças culturais e de comportamento ético, talvez permita que daqui a meio século, possa ser adequado o debate sobre parlamentarismo;
Ponto 7 – Propõe um novo federalismo, mas não explicita o que sugere mudar no quadro e nas relações de autonomias dos atuais entes federados (União, Estados e Municípios); Indica apenas que deveria haver uma maior descentralização de recursos em favor dos municípios. Essa proposta também aparece no ponto que trata da reforma Tributária;
Ponto 8 – Refere-se a uma nova norma de redistribuição das receitas tributárias totais que amplie a participação de estados e municípios, sem sinalizar como pode ser feito. Na verdade, um ponto repetido. Inclui aqui, também de forma bem vaga, a idéia de ampliar a competência dos Estados no campo legislativo.
Ponto 9 – Situa no tema do Novo Federalismo a necessidade da Reforma Tributária indo na direção de tributar mais o patrimônio e a renda e menos o consumo. Corretamente uma proposta para caminhar no sentido de maior justiça social, porém, não tem amarração direta como um possível Novo Federalismo;
Ponto 10 – Uma nova declaração de intenção referindo-se a opção de valorizar o trabalho e a produção, reduzindo o peso das facilidades ao capital financeiro. Sem apontar qualquer indicação de como fazer isso;
Ponto 11 - Declara que para o desenvolvimento precisa cuidar do trinômio infraestrutura, educação e qualificação profissional. Não há proposta de como viabilizar os investimentos em infraestrutura e sobre educação repetirá a mesma visão nos pontos 16 e 17;
Ponto 12 – Trata do que chamou de política “industrial vigorosa”, mas, apenas explicita as contradições e superficialidade do documento: sugere ampliar o grau de abertura do mercado interno, mas não qualifica o que é estratégico para o país e que deve ser objeto das políticas; sugere ampliar “iniciativas de qualificação produtiva e inovação ", mas não tem proposta para formar pessoal de alto nível para a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico; Em item anterior, declara a prioridade do capital produtivo em face do financeiro, mas nada há de proposta para o grande entrave dos investimentos que é a alta taxa de juros; anuncia a desoneração da folha de pagamentos e das exportações, sem indicar quais seriam os setores estratégicos ou como equilibrar essa maior renuncia fiscal com os presentes déficites nas contas públicas;
Pontos 13 e 14 – mencionam estímulos a economia criativa e ao empreendedorismo, questões pontuais e de importância menor no contexto de um programa nacional de desenvolvimento para um país das dimensões e com os problemas estruturais do Brasil;
Nos pontos 16 e 17 o documento volta a tratar da educação, praticamente repetindo o que já havia mencionado no ponto 11. A visão da educação defendida no documento é assustadora, sobretudo quando lembramos que vivenciamos uma economia baseada no conhecimento. Propugna pelo aprimoramento do ensino básico, massificação do ensino técnico e erradicação do analfabetismo. Desconhece o documento que a educação é um sistema que vai do fundamental ao doutorado e que os nossos vizinhos já estão com cerca de 30% dos jovens na universidade e o Brasil ainda na faixa dos 16%;
O ponto 18 propõe uma reforma urbana mencionando, por um lado a necessidade de superar deficiências em saneamento, transportes, habitação e, por outro, a possibilidade de articular no espaço urbano novas atividades econômicas. Também sem proposta ou indicação do caminho para viabilizar tais investimentos;
Ponto 19 – Regularização Fundiária propondo a titularização dos terrenos urbanos, cujos proprietários de fato não possuem escritura. Outra proposta que parece fora do contexto de uma plano de desenvolvimento para o Brasil. Embora importante para grande parcela da população, certamente é uma ação mais adequada ao Poder Municipal;
Ponto 20 – Uma declaração necessária e oportuna de apoio as práticas de transparência e empoderamento da população para fiscalizar o agente ppúblico.
Enfim, o documento do PSB não apresenta contribuição relevante para o projeto de desenvolvimento do Brasil e está longe de honrar o socialismo, ou, em uma atualização de linguagem, de manter a esperança de que poderia ser um partido do novo desenvolvimentismo. Um campo que agora parece não ter representante no cenário das formulações de projeto para o Brasil.
* Economista, professor, Doutor em Ciências Econômicas.
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