Ricardo Coelho dos Santos
Dona Mocinha tinha um patrão.
Não sei se em algum outro lugar no Brasil um pai daria o nome da filha de Mocinha. No Espírito Santo, coisa de cinquenta anos atrás, ou mais, se dava. Fora a nossa personagem, não conheço mais ninguém com esse nome e que esteja viva.
De família pobre, a grande realização da família era ver a filha empregada doméstica de gente rica. Ela tinha dois irmãos que, ao ver do pai, eram realizados profissionalmente. O mais velho era pintor de embarcação e dizem que era o mais requisitado entre os catraieiros de Vitória. O outro, glória das glórias, se tornou cabo da Polícia. Já deu baixa, mas, graças a ele, o rancho do quartel de Maruípe tinha melhorado bastante.
Um dia, uma madame, que conhecia a família de outras épocas, quando era solteira e Vicentina voluntária, perguntou se Mocinha não viria a Vitória, trabalhar para ela. Pronto! Os pais estavam realizados. Todos os filhos encaminhados. Missão cumprida! A filha iria trabalhar para uma “família de bem”, numa casa na Ilha do Boi. Isso era muito mais do que eles poderiam imaginar.
O patrão da casa era um daqueles jovens que saíam nas colunas sociais como uma das grandes promessas do Espírito Santo. Para se sair assim, com tamanho destaque, ele jamais poderia ter se formado na UFES ou na FAESA. Tinha de ser da PUC-Rio para cima, e foi o que aconteceu. Da PUC para a Fundação Getúlio Vargas, passagem em Sorbonne e mestrado em Harvard. Até chegar na posição que deveria cortar o cordão umbilical dos pais e começar a ganhar um salário digno do investimento depositado nele. Imediatamente, se tornou diretor de uma importante indústria capixaba que foi vendida, para a celebração do Governo do Estado, ao capital estrangeiro. Tinha o currículo que todo presidente gostaria que seus diretores tivessem!
Durante seus cursos, onde aprendeu conceitos de “6 Sigma”, “Painel de Controle” e a metodologia de Malcolm Baldrige de premiação de gestão, aprendeu com um dos seus gurus, uma daquelas pessoas que os administradores, quando saem da escola, enchem a boca para citar o nome, que “ou você controla tudo, ou não controla nada”! Esse se tornou seu lema!
Mas, na sua empresa, um diretor com diplomas ocupando metade da parede da sua sala, ainda submisso a um diretor geral, ele descobriu que ainda não controlava nada! Urgia que o chefe fosse afastado ou se aposentasse, deixando os quarenta anos de experiência com todas as crises que o Brasil de Figueiredo para cá, permitindo que ele aplicasse tudo que os discípulos de Adam Smith pregam. Resolveu, então, usar suas teorias administrativas em casa.
E eis que voltamos à Dona Mocinha, pobre e curta de visão. Todos os dias em que ele almoçava ou jantava em casa, quando não tinha um almoço de negócios com os figurões espírito-santenses, ela dava um capricho especial para seu deleite. Conseguia, como ninguém, fazer a melhor sopa de capeletti que algum mortal já tinha tomado. Fazia da massa ao recheio. Mas não era só na culinária italiana que ela fazia suas mágicas. Como boa aluna da sua mãe, aprendera a preparar a melhor carne de porco do mercado e uma feijoada divina, insuperável. Seu fraco era a moqueca, um pouco puxada ao alho. Mas era ainda uma das melhores que se podia consumir.
O dia-a-dia também era marcante. Seu filé à milanesa era perfeito, e, sempre que cabia, fazia uma salada de batatas, com maionese caseira, de se consumir aos quilos. E nem falei do seu feijão diuturno. O patrão acabou engordando. Dia desses, ele pediu sofisticação no prato e Dona Mocinha conseguiu, mais uma vez, surpreender. Ele, a princípio, não gostara do que ela tinha mostrado, até provar: a fritada de caranguejo era a coisa mais deliciosamente fina que ele e seus convidados já tinham provado.
Porém, ele era um administrador de empresas conceituado. Precisava começar em casa a demonstrar suas qualidades e, então, atacou. Enquanto Dona Mocinha trabalhava, ela se concentrava somente na comida, deixando a pia em condição de miséria. Se outra pessoa lavasse as panelas e a louça enquanto ela cozinhava, a coisa melhoraria, mas o “downsizing” tinha de ser praticado. Para quê contratar dois, se um dava conta. Chamou a atenção dela.
Ela, na sua postura humilde, o que para ele significava que ela tinha ainda muito o que aprender para se desenvolver no seu ofício profissional, falava que deixava a cozinha limpinha depois que todos tivessem comido. Era verdade. Ela deixava tudo impecável, até passando um pano no chão para trocar o cheiro da cebola por um de lavanda. Ele lha perguntou, com o peito mais cheio, o que a impedia de manter a cozinha com a mesma aparência limpa da sala de estar durante a prática culinária, e ela respondeu que, para fazer muitos pratos, todos zelosamente preparados, não poderia sair de perto do fogo, e, assim, deixa a pia para depois. Ele não aceitou a explicação, e deu uma solução definitiva:
— Ou você deixa tudo sempre bem lavado, ou deixa de cozinhar!
Soube que a mulher se separou dele e levou Dona Mocinha junto. Acabou abrindo um restaurante na Praia do Canto que está faturando tanto que agora está contratando um maitre de São Paulo e, ainda, profissionalizou a adega.
E ele? Bom… Vendeu a casa, está morando em Campo Grande onde dá aula num desses cursos que formam um aluno em dois anos. Está tentando ser articulista de jornal e palestrante, mas, até o momento, não recebeu contrapropostas. A esposa comprou sua antiga casa da Ilha do Boi e Dona Mocinha comprou um apartamento para os pais na Praia da Costa, vivendo com eles e um carrinho, um Mini Cooper, e tem como melhor amiga e sócia sua antiga patroa.