Aylê-Salassié F. Quintão
O caminho de Temer estará sendo atravessado nessas duas semanas pela possibilidade de ver o seu desafeto externo, Nícolas Maduro, da Venezuela, chegar à presidência do Mercosul. O evento terá pouco efeito sobre os interesses do Brasil, mas poderá contribuir para anuviar ainda mais o cenário confuso da política brasileira, marcado pelo envolvimento de sua base de apoio, e até de seus ministros, na Lava-Jato, gravado por uma economia desandada e por essa angustiosa discussão de prazos da votação do impeachment definitivo da presidente que, juntos, param o País.
Maduro é aquele que vê o defunto Hugo Chavez num passarinho; que dorme, às vezes, junto à túmulo do líder; que mandou prender os opositores; e que está conduzindo a Venezuela à escassez total de gêneros de primeira necessidade. Ele acaba de deixar a presidência da Unasul - União dos Países Sul-Americanos, onde conseguiu forjar uma longa “folha corrida político-policial”, ao convocar o povo argentino a uma rebelião contra Maurício Macri, recomendando ainda aos países membros da Unasul a se mobilizarem para impedir o impeachment no Brasil. Advertido, mandou o secretário-geral da OEA-Organização dos Estados Americanos enfiar, “no lugar onde couber”, a Carta Democrática Interamericana, que rege os regimes políticos do continente, .
Por ordem alfabética , depois do Uruguai , cabe à Venezuela assumir a presidência pro-tempore do Mercosul, já na próxima reunião da Cúpula (presidentes), prevista para o dia 24 deste mês. Não parece que será tão simples. Nenhum dos parceiros no bloco confiam em Maduro como seu representante. Desde que entrou no Mercosul, a Venezuela criou só problemas e gerou pendências com Macri (Argentina), Temer (Brasil) e Cartes (Paraguai).
Esses parceiros negociam agora a possibilidade de adiar a reunião de Cúpula. O Uruguai permaneceria à frente do bloco. Como alternativa estudam ainda a suspensão da Venezuela, a partir da invocação do “compromisso democrático” previsto no Protocolo de Ushuaia, aplicado com rigor contra o Paraguai, quatro a cinco anos atrás, para que a Venezuela pudesse ser incorporada ao Mercosul. Não havia unanimidade. O Paraguai se recusava a aceitar a convivência com Chavez que, boquirroto, sempre agredia o país. Com o apoio explícito do Brasil, o Paraguai foi suspenso do Mercosul , por um tempo suficiente para que a Venezuela fosse incorporada ao bloco Agora é a vez dos paraguaios. Pediram uma reunião emergencial de chanceleres do bloco para discutir a alternativa do impedimento da Venezuela, por atentar contra as as democracias interamericanas.
O Mercosul foi constituído inicialmente pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, tendo o Chile como observador. A partir da sua criação, amparada numa tarifa externa comum, o comércio dentro do bloco teve um incremento imediato de mais de 400 % . Passou de US$ 4 bilhões para US$ 25 bilhões. Na ânsia de, pela desproporção dos números – território, população, PIB, etc – e de agregar à sua política um produtor de petróleo, o Brasil da era PT, à busca por uma liderança continental – “Para onde perder o Brasil penderá a América do Sul “ - aliou-se a Chavez que, por sua vez, tinha pretensões de expandir o “bolivarismo”pela região. Pensando como grupo, e agindo individualmente ganhava-se expressão política e ampliava-se o poder de barganha nas relações externas. A desculpa, na oportunidade, era o avanço da China (Aliança para o Pacífico). O Mercosul funcionaria como um contrapeso. Dilma Roussef anulou o Paraguai e criou um mal estar nas relações Brasil com o Uruguai. Os discursos doentios tinham um caráter menos social e mais personalista. O Mercosul foi desdenhado .
Ao ser admitida no bloco, a Venezuela tentou introduzir mudanças nos rumos do acordo comercial , pela introdução de cláusulas políticas, sem nenhum efeito. Chavez conseguiu, entretanto, desviar a atenção do Brasil, de Dilma, e da Argentina (dos Kirchner), para o que foi chamado de Unasul, com pretensões integracionistas muito mais amplas que as comerciais, envolvendo até a segurança continental. Voltando sua atenção para o novo projeto, os próprios membros do Mercosul foram afrouxando o Acordo de Iguaçu e, rapidamente, o comércio intra-regional se desgastou. Sob o olhar complacente de Lula e de Dilma, a Argentina introduziu ações protecionistas, a Bolívia incorporou a unidade da Petrobrás que operava no País .
Temer anunciou que pretende reaquecer o Mercosul. Mas só viajará para Montevidéu - sua primeira viagem internacional - se houver a possibilidade de um sanção contra Venezuela. O Brasil perdeu o interesse em defender o atual governo venezuelano que, aliás, agressivamente, tem se referido ao impeachment no Brasil como golpe. Em contrapartida, sem se expor diplomaticamente, o Brasil comporta-se favorável à realização do “referendo popular revogatório” na Venezuela para que a população possa dizer se Maduro continua a representar os interesses do país, como chefe de Estado, já que perdeu feio as eleições gerais . Com aparente indiferença, Maduro ameaça dissolver a Assembléia Nacional, de maioria oposicionista.
Jornalista e professor. Doutor em História Cultural
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