Fabrício Augusto de Oliveira*
A divulgação dos resultados do PIB do primeiro trimestre deste ano, pelo IBGE, despertou uma onda, ainda que efêmera e contida, de otimismo do mercado, que projetava um recuo maior da economia. Comparada com o 4º trimestre de 2015, este recuo foi de 0,3% ante as expectativas de bancos e consultorias que apontavam uma queda de 0,8%.
Para a gerente das Contas Nacionais Trimestrais do IBGE, Cláudia Dionísio, não se pode dizer que houve melhora ou qualquer reversão de tendência, apesar deste resultado ter sido menos decepcionante. Isso porque, a redução do ritmo de queda pode ser explicada mais pelo efeito-base, já que esta se encontrava muito deprimida no final de 2015, devido à falta de crescimento em 2014 e à brutal recessão deste ano, do que propriamente pela retomada de sinais vitais dos setores da atividade econômica, que justifiquem esse otimismo.
De fato, quase todos os setores viram diminuída a velocidade, de uma maneira geral, de sua queda comparada ao último trimestre de 2015: a da indústria, de 1,6% para 1,2%; a do comércio de -2,6% para -1%; e a dos serviços de -1,5% para -0,2%. Pela ótica da demanda, o consumo do governo saltou de um crescimento negativo de -2,9% para uma expansão positiva de 1,1%, enquanto os investimentos viram essa taxa reduzir-se de -4,8% para -2,7%, mas o consumo das famílias, que responde por 60% do PIB, viu aumentar sua queda de -0,9% para -1,7%.
No entanto, a comparação do desempenho deste trimestre com outros períodos mostra, por outro lado, que a economia brasileira se encontra distante do ponto em que poderá se reencontrar com o sol do crescimento. Na comparação com o 1º trimestre de 2015, a queda registrada no PIB atingiu 5,4% e, no acumulado dos quatro últimos trimestres frente aos quatro anteriores, 4,7%, indicando que o recuo no ano deverá ser expressivo. Visto pelo lado da oferta, o desempenho dos setores da atividade econômica apenas confirmam essa possibilidade: a agropecuária conheceu, neste período (trimestre do ano contra igual período do ano anterior) retração de 3,7%, a indústria de 7,3% e o setor serviços, de 3,7%. Já pela ótica da demanda a situação não parece menos grave: o consumo das famílias acumulou uma retração de 6,3%; o consumo do governo de 1,4%; e a formação bruta de capital de 17,5%, o que levou a taxa de investimentos a situar-se em inexpressivos 16,9% no primeiro trimestre de 2016.
O grande problema diante deste quadro é que ele não permite vislumbrar de onde poderão nascer forças que permitam à atividade econômica reagir, contribuindo para minorar a recessão e injetar ânimo na atividade produtiva.
Em relação ao consumo das famílias, o avanço do desemprego, que atingiu 11,2% no trimestre fechado em abril, e que deve continuar aumentando, combinado com a queda da renda média dos trabalhadores e ao elevado nível de endividamento das famílias não permite qualquer otimismo de que algum start possa ser dado por essa frente. Os gastos do governo, pressionados por um ajuste primário do governo federal de grande magnitude (R$ 170 bilhões ou de 2,6% do PIB), não aparecem também como candidatos a desempenhar este papel. Dos investimentos, num quadro de grandes incertezas econômicas e políticas, mantidas e magnificadas com a continuidade das investigações da Operação Lava Jato e com a denúncia de envolvimento dos membros do novo governo nos esquemas de corrupção e obstrução da justiça, igualmente não se pode esperar que consigam reagir tão cedo. Restariam, assim, como fatores de dinamismo apenas as exportações, mas essas, apesar de favorecidas pela melhora do câmbio, além de não terem peso assim tão significativo na geração do produto, ainda padecem da fraqueza da demanda externa e do baixo preço das commodities.
O que poderia mudar este quadro depende, assim, da política econômica no governo interino de Michel Temer. Mas, o fato, é que essa vem sendo, pelo menos até o momento, incapaz de lançar alguma luz para sinalizar que alguns problemas possam ser corrigidos.
Além das trapalhadas políticas cometidas pelo novo presidente interino, como o de compor os quadros de seu governo com réus e investigados na Operação Lava Jato e no STF, a indicação da equipe econômica, integrada pela mais fina flor da ortodoxia, não permite otimismo sobre os resultados que se obterá com as medidas já aprovadas ou, por enquanto, apenas anunciadas, para tirar o país da crise em que se encontra.
Seguindo o mesmo script dessa escola de pensamento, para quem a solução da crise fiscal deve preceder qualquer outra mudança, visando resgatar a confiança dos agentes econômicos para que os investimentos voltem a fluir para a economia e, com isso, o crescimento econômico, a ênfase da política econômica tem sido dada à aprovação de medidas para essa finalidade, como as que se referem aos cortes de gastos, inclusive de investimentos, aumento dos impostos indiretos e restrição do crédito, especialmente do BNDES, todas de cunho excessivamente recessivo, o que poderá agravar ainda mais a situação por continuar derrubando as receitas.
A leitura parcial, intencional ou equivocada, de que o desajuste fiscal tem como única causa o desequilíbrio das contas não financeiras do governo impede aos gestores da atual política econômica de perceber que o caminho trilhado do ajuste, além de representar um verdadeiro austericídio, mantém em trajetória ascendente, a relação dívida bruta/PIB, atualmente na casa de 67,5% do PIB, por não enfrentar as suas principais causas, as contas financeiras e, entre essas, especialmente os encargos da dívida pública, que andam na casa de 8% do PIB.
Com isso, a questionável qualidade do ajuste, à medida que não diferencia o capital produtivo do financeiro em termos de decisão de investimentos, para viabilizar o principal objetivo da ortodoxia, que é o restaurar a confiança dos agentes econômicos no país e na política econômica, dificilmente garantirá algum êxito para o que se pretende, considerando que a relação dívida bruta/PIB deverá continuar em trajetória preocupante de expansão, mesmo que se consiga zerar o déficit primário, alimentada por um déficit nominal descomunal, que atualmente anda em torno de 10% do PIB, o maior do mundo. Não deve surpreender, portanto, se, apesar do ajuste salvador proposto pelo atual ministro Fazenda, Henrique Meirelles, não poucas tormentas econômicas continuarem desabando sobre a sua economia e, principalmente, sobre as camadas menos protegidas da sociedade.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colaborador do Brasil Debate e Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”;
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