Adolfo Breder
Se eu fosse você não teria graça. Dependeria do espelho para dialogar, para admirar, para tocar – e o toque seria frio, plano, limitado. Os gestos seriam simétricos, previsíveis, automáticos.
Não haveria surpresas de uma distraída declaração numa escada rolante ou outro lugar impactante, no carinho à meia luz vendo a paisagem do mar, num poema rabiscado na mesa do bar ou numa comidinha especial feita a dois.
Mas, que delícia sermos dois. Iguais o suficiente para nos encontrarmos e reencontrarmos com prazer. Diversos na medida. Para que seja estimulante descobrir, a cada instante, uma novidade inventada de propósito ou um novo jeito de ver as coisas.
Ouvindo agora “She”, com o Aznavour, encontrei você e seus contrastes. A música poderia mesmo chamar-se “He”, com pequenos ajustes na composição. E eu estaria inteiro ali acolchoado pela melodia, percebendo como somos constantes na inconstância, mutantes e criativas referências de que vale a pena viver intensamente.
Desliguei a TV. Desliguei o rádio. Não vou ler jornais. Não quero saber das manchetes, que maculam nossa esperança e desmotivam nossos passos.
Hoje é dia de retomar o caminho de mãos dadas. De viver o nosso inspirador micromundo a dois, apesar da infinitude do universo. Hoje é dia de compartilhar, de coisas simples, de amar. Uma pausa no tempo para celebrar a vida. Dar gargalhadas, cantar junto a canção predileta, aproveitar a oportunidade de um domingo frio que estimula a busca do calor.
Estou enamorado pela vida e, por isso, não desisto de convidar você para um levante que desmonte a chatice envolvente dos temerários.
Foto: do autor – Grafite na vizinhança da Pedra do Sal – Rio de Janeiro.
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