Profa. Dra. Neide César Vargas *
O comportamento da Economia não se assemelha ao de um veículo cuja direção facilmente se altera ou mesmo aceita movimentos bruscos de reversão de rota. A melhor analogia a ser feita é a de um transatlântico, cujo tamanho torna as reversões rápidas praticamente impossíveis. Como toda analogia essa só se presta para algumas situações, nesse caso as recessões, pois as expansões podem ser muito mais facilmente abortadas. Medidas governamentais, decisões e processos políticos, alterações no contexto internacional, são exemplos de mudanças que atuam muito mais para aprofundar uma recessão do que para revertê-la. O círculo vicioso de uma recessão é mais poderoso do que o círculo virtuoso de uma expansão.
Daí o impacto negativo e ainda persistente da crise política, da Lava Jato e do “impeachment” sobre a economia brasileira. Não que se repute a origem da crise econômica atual à crise política. Distintamente, a crise política é em parte consequência da crescente incongruência do modelo econômico adotado sob o governo Dilma com os interesses políticos e econômicos de peso no país. Não se pode negar, por outro lado, que a crise política tenha elementos endógenos, próprios ao sistema político brasileiro. Todavia, quaisquer que sejam esses elementos, uma coisa é patente: os acontecimentos políticos a partir de 2014 atuaram como um importante fator de aprofundamento da crise econômica já instalada naquela ocasião.
Tendo isso em consideração deve-se dizer que desconhece a dinâmica econômica quem acredita em retomada rápida do crescimento com o governo federal sob “nova” direção. Existe sempre um lapso relevante entre as medidas que se toma e seu resultado. Adicionalmente, tais medidas, para que tenham efeito, precisam necessariamente influenciar de maneira favorável uma variável estratégica: o investimento que gera nova riqueza material e não mera transferência de propriedade. Além disso, a exceção de governos ditatoriais, essas medidas – quando radicais - precisam do aval da sociedade para que seu impacto político seja absorvido.
Temer vem apresentando um leque de propostas visando saídas para a crise, partindo da hipótese de que o Estado é capaz de criar as condições favoráveis para tanto. Não é tão simples assim. O foco único das propostas no ajuste fiscal tende, ao contrário, gerar impactos sobre a dinâmica econômica negativos no curto prazo e, além de tudo, desencadear fortes reações contrárias em segmentos relevantes da população. No rol dessas propostas encabeça a lista a reforma da Seguridade Social e a reforma trabalhista. Ambas operam no sentido de reduzir direitos e, no campo macroeconômico, reduzir renda e consumo.
Para além das intenções, vejamos em que direção navega o transatlântico da economia brasileira. Segundo o IBGE, os resultados do PIB para o primeiro trimestre de 2016 não foram nada animadores, indicando uma retração de 5,4%, comparado com igual período de 2015. Contraposto ao trimestre imediatamente anterior também apresentou retração (-0,3%), sinalizando que a economia chegou ao sexto trimestre consecutivo sem crescimento.
Pela ótica da oferta não há sinal de vida. O setor Agropecuário, único a apresentar expansão no ano passado, registrou queda no primeiro trimestre de 2016 (-0,3%, comparado ao último trimestre de 2015, e - 3,7%, comparado com igual período de 2015). O cenário para a Indústria também não é diferente, uma vez que o setor havia apresentado queda de 6,2% ao longo de 2015 e, no primeiro trimestre de 2016, retração de 1,2% em relação ao trimestre imediatamente anterior e queda de 7,3% em relação a igual período de 2015. O setor de Serviços, no acumulado de 2016, continua apresentando contração, haja vista a queda de 10,7% no primeiro trimestre deste ano quando comparado a igual período de 2015.
Pela ótica do gasto, todos os componentes da demanda interna apresentaram queda na comparação com primeiro trimestre de 2015 e pelo quinto trimestre consecutivo. O investimento retraiu 17,5%, o consumo das famílias caiu 6,3% e o do governo caiu 1,4% em relação ao primeiro trimestre de 2015. Além disso, o nível de endividamento das famílias e o aumento do desemprego ajudaram a comprometer a capacidade de compra da população. Influenciada pela desvalorização cambial de 37%, as Exportações apresentaram expansão de 13%, enquanto as Importações caíram 21,7%, em igual período.
Ante tais números, fica nebulosa a fonte capaz de mover esse transatlântico no sentido do crescimento. O consumo, já corroído pela crise, será derrubado pelas medidas em curso, que afetarão negativamente salários, benefícios previdenciários e assistenciais. O gasto/investimento público, desde 2015 objeto de contenção, também será cortado num contexto de queda de receita. O quadro internacional, de crise e com pouca margem para aumento das exportações e de atração de investimentos estrangeiros, também não indica saídas.
Resta apenas o investimento das empresas localizadas no país, as quais, além de um contexto de estabilidade política, requererão níveis de rentabilidade correspondentes ao custo de oportunidade de aplicar seus recursos na esfera financeira. Isso demandaria redução relevante da carga tributária, de salários/benefícios e de custos sistêmicos em geral, dependentes de medidas demoradas. Tais condições estruturais requeridas pelos setores empresariais se, por um lado, não asseguram a retomada do crescimento por outro implicam em medidas no curto prazo desaceleradoras e altamente regressivas no plano social.
A pressa do governo em promover a recuperação e o seu compromisso estrito com uma mudança de rota radical, nas condições atuais da economia mundial e mesmo brasileiras, está longe de ser um passe seguro para o crescimento.
16/06/2016
*Professora, Economista, Doutora em Ciências Econômicas.
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