Guilherme Henrique Pereira*
O natural funcionamento dos mercados é importante para corrigir desequilíbrios que travam o crescimento do emprego e da produção. Mas, pode falhar ou requer um período de tempo muito longo para retomar uma trajetória virtuosa de desenvolvimento se não for estimulado por adequada política econômica. A ausência de tal política, ou sua presença de forma equivocada, ampliará o sofrimento social e o atraso do país em relação aos demais.
No Brasil de hoje há um bom cenário para este debate. A visão predominante entre os formuladores das políticas é a de que precisamos restabelecer os investimentos para voltar a crescer. Até aí há amplo acordo. Mas, na seqüência, as propostas mais publicadas de solução são de uma simplicidade inacreditável. Lembram a idéia de que por trás de muita ingenuidade, quase sempre há uma grande maldade. Resumindo o discurso oficial: para retomar o crescimento, é necessário restabelecer a confiança dos investidores e para alcançar isso, as contas públicas não devem apresentar déficit, logo o foco das políticas deve ser cortar os gastos correntes e os investimentos públicos. Aqui mesmo em Debates em Rede há vários outros artigos mostrando que as políticas derivadas deste simplório raciocínio aprofundará a crise. Diante disso, cabe mostrar outros argumentos esclarecedores dos equívocos em curso que levam a propostas efusivamente defendidas pelas empresas financeiras e de comunicação.
Apoiaremos o comentário completamente na pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) que concluiu, com base em amplo conjunto de dados estatísticos, que a rentabilidade das empresas industriais apresenta trajetória de queda desde 2010. Sem acumulação de lucros e financiamentos compatíveis, não haverá investimentos. O principal vilão do aumento de custos das empresas industriais, portanto, da queda de lucros, inflação, redução dos investimentos e do crescimento, é o aumento das despesas financeiras. Em outras palavras, os juros estupidamente altos.
Pouco ou nada tem a ver com a propalada idéia de déficit público como único culpado. Retomar a rentabilidade, para voltar a investir, é preciso pensar em reduzir juros, política cambial com foco no crescimento, educação de qualidade, formação de pessoal de alto nível para a pesquisa, traduzir tudo isso em inovação, etc. E também, finanças públicas fortalecidas para sustentar o rol de ações necessárias. Logo, uma cultura e um conjunto de políticas coordenadas que está muito longe da simplicidade que tentam vender a qualquer custo e, pior, agravando a crise social.
Imperdível a leitura do sumário da pesquisa do IEDI que transcrevemos em anexo e que demonstra com clareza a fonte mais imediata da perturbação do nosso desenvolvimento.
*Economista, professor, Doutor em Ciências Econômicas.
Sumário da Pesquisa do IEDI
“A recuperação da economia brasileira passa necessariamente pela recuperação da confiança empresarial, que se traduzirá, em algum momento no futuro, em novos investimentos produtivos. Mas como diversos estudos indicam, a imobilização de capital na produção depende de recursos provenientes da acumulação de lucros retidos pelas empresas e do acesso a financiamentos de longo prazo do BNDES.
A Carta IEDI de hoje
se propõe, então, a analisar a evolução de um desses delimitadores da
capacidade de investimento, qual seja o desempenho econômico-financeiro das
grandes empresas, procurando avaliar como a piora gradativa da situação
econômica e a grave recessão atual, afetaram a rentabilidade empresarial, assim
como seu endividamento e a composição dos seus ativos. Para tanto, foi levado
em conta o desempenho de 340 empresas não financeiras com capital aberto entre
2010 e 2015.
Em síntese, o estudo mostra que para além da recente deterioração das
expectativas e do ambiente econômico e político no Brasil, outro fator mais
objetivo também contribuiu para reduzir a capacidade de investimento da
indústria: a rentabilidade muito baixa ou mesmo negativa das empresas.
É notável a quase continuada redução da lucratividade da atividade produtiva do
país a partir de 2010. No caso da indústria, foi expressivo o declínio das
margens de lucro líquida e operacional do conjunto do setor excluindo-se
Petrobras e Vale. Entre 2010 e 2015, a margem líquida de lucro perdeu 7,8
pontos percentuais (p.p.) passando de 8,3% para apenas 0,5% no final do
período. No caso da rentabilidade operacional, a perda também foi expressiva:
-5,8 p.p., sendo que, em 2015, a margem operacional atingiu 7,6%.
Dois fatores sobressaem e se complementam na determinação da compressão das
margens de lucros da grande empresa não financeira ao longo do período: a menor
capacidade de as empresas repassarem aos preços as elevações de custos e as
perdas financeiras ocorridas com a piora das condições de financiamento da
economia brasileira e da alta das taxas de juros.
De fato, as despesas
financeiras cresceram em um ritmo superior aos demais custos operacionais,
contribuindo muito para o declínio da rentabilidade líquida das empresas no
período em análise. Em termos reais, as despesas financeiras líquidas cresceram
2,57 vezes entre 2010 e 2015, enquanto os custos dos produtos vendidos
avançaram menos, 1,12 vez no mesmo período.
Neste cenário de alta das despesas financeiras, em que também se somaram o
encolhimento da demanda e o encarecimento do crédito, é provável que a pressão
tenha vindo tanto da necessidade de renovar dívidas em condições mais
desfavoráveis, como do impacto de desvalorizações cambiais sobre o estoque de
dívida externa e os serviços das dívidas das empresas não-financeiras. Além da
elevação do endividamento, o impacto da desvalorização cambial sobre a situação
financeira das empresas também pesou nas margens líquidas de lucro, ainda que
de forma heterogênea entre os setores.
A queda da rentabilidade constitui, assim, destacado componente do atual contexto econômico bastante adverso. Este combina retração da demanda interna e baixo nível de utilização da capacidade instalada com dinamismo ainda insuficiente do mercado externo, configurando um quadro pouco animador para a retomada do investimento produtivo e, consequentemente, do crescimento econômico.
Do ponto de vista da
distribuição dos ativos, no agregado da indústria sem a Petrobras e a Vale, as
indicações são de que as empresas caminharam na direção de uma menor aplicação
de recursos em inversões de longo prazo, especialmente ativos imobilizados, e
procuraram manter um volume apreciável de aplicações financeiras e
disponibilidades de caixa.
A manutenção de elevado patamar de recursos disponíveis assegura às empresas um
rendimento garantido (em função de altas taxas de juros predominantes na
economia doméstica) e um colchão de liquidez, que funciona como uma espécie de
“seguro” contra as frequentes reviravoltas da conjuntura macroeconômica e da
política econômica.
Outra estratégia das
empresas não-financeiras na gestão dos ativos diz respeito às compras ou
aquisições de participações em outras companhias. O aumento dessas operações
pode indicar um movimento de diversificação das atividades empresariais, num
contexto em que os ativos ficaram baratos.
Por fim, quanto ao endividamento, seu patamar médio para o conjunto de empresas
analisadas manteve tendência constante de crescimento. Os indicadores gerais de
endividamento – relação entre capital de terceiros e capital próprio e relação
entre endividamento líquido e capital próprio – praticamente dobraram no
período em foco.
A queda da demanda agregada por conta da crise, a elevação das taxas de juros sobre empréstimos e um conjunto de fatores ligados à queda da rentabilidade das empresas não-financeiras, além da desvalorização do Real, contribuíram para o acréscimo do endividamento. Sobretudo em segmentos mais dependentes da retenção de lucros para o financiamento dos investimentos, a queda da rentabilidade das empresas pode ter implicado na maior necessidade de financiamento, tanto de curto, como de longo prazo, e contribuído para o aumento do comprometimento das receitas operacionais com as despesas financeiras.”
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