O déficit primário de R$ 139 bilhões só do Governo Central previsto para 2017 que a equipe econômica do presidente interino, Michel Temer, anunciou no dia 7 de julho, corresponde a 2,1% do PIB, um pouco inferior ao de R$ 170,5 bilhões, previsto para este ano de 2,65% do PIB. O mercado financeiro parece ter ficado satisfeito com o número dado, considerando que reagiu bem, já que esperava, na ausência de reformas, por um resultado ainda pior, provavelmente em torno de R$ 200 bilhões. Ao contrário que se se pode deduzir do menor pessimismo do mercado, esse resultado, no entanto, está longe de ser garantido e, como o próprio governo só projeta um equilíbrio fiscal, no conceito primário, para o ano de 2019, tudo indica que a situação da economia brasileira pode piorar consideravelmente nos próximos anos, com o aumento da desconfiança dos investidores sobre a capacidade de solvência do Estado brasileiro.
Para chegar ao número de R$ 139 bilhões, o governo está contanto com receitas extras equivalentes a R$ 55,4 bilhões, que viriam do aumento da arrecadação esperado com a recuperação da atividade econômica, com ganhos estimados em R$ 7 bilhões de mudanças nos benefícios previdenciários e com receitas de privatização e de concessões do setor de infraestrutura. Ou seja, como nada disso está garantido, porque a recuperação da economia ainda não está à vista e as demais não passam, por enquanto, de meras projeções, o déficit primário que deve de fato ser considerado é de R$ 194,4 bilhões, o que corresponde a 2,9% do PIB, podendo o déficit efetivo apenas ser menor do que esse teto se as coisas saírem como o governo projeta. É um déficit e tanto, e, se o de 2016, pode ser debitado na conta da presidente afastada, Dilma Rousseff, o de 2017 é de inteira responsabilidade do atual, não importa em que condições recebeu a economia, já que sua principal promessa era exatamente o de corrigir este descontrole.
Aliás, o governo Temer e sua equipe econômica têm se revelado um desastre nessa questão. Ao mesmo tempo em que lançam a conta do ajuste nas políticas sociais e sinalizam a necessidade de desmontar o contrato social da Constituição de 1988, rendem-se, de outro lado, às pressões de setores influentes, caso dos senadores, deputados, governadores, poder judiciário etc., para conceder reajustes salariais, autorizar novos gastos, socorrer administrações com dificuldades, mesmo usando argumentos de que alguns acordos haviam sido negociados pelo governo anterior. Nessa toada, em que estimativas feitas sobre os novos gastos criados por Temer, em apenas dois meses, já andam na casa dos R$ 125 bilhões, o teto de R$ 194 bilhões para 2017 pode vir a ser ultrapassado. Repete-se a velha história de que o “ajuste” é sempre bom desde que sejam outros que paguem a sua conta.
O mais grave em toda essa situação é que o déficit primário representa apenas uma parte menor do desequilíbrio fiscal. Nas contas financeiras, os juros nominais da dívida atingiram, nos últimos doze meses encerrados em maio, o nível de R$ 454 bilhões, correspondentes a 7,57% do PIB. Do déficit nominal que inclui também o primário, de 10,08% do PIB também dos últimos doze meses, 75% seriam, assim, de responsabilidade dos encargos da dívida. Como, ao contrário do que ocorre com as contas primárias, nada tem sido dito pela equipe econômica sobre algum ajuste que poderia ser feito do lado dessas contas, pode-se esperar que, mesmo obtendo algum sucesso na contenção dos gastos reais, o déficit nominal continue elevado, mantendo a relação dívida bruta/PIB em trajetória de contínuo crescimento. A retomada pelo Banco Central das operações do mercado de câmbio, por meio de swaps, visando conter a valorização do Real, deve contribuir para aumentar ainda mais os gastos nessa conta financeira, pelos prejuízos que tais operações tendem a acarretar.
Até o mês de maio deste ano, a relação dívida bruta/PIB do setor público como um todo, já atingira o nível de 68,6%, e mesmo a relação dívida líquida/PIB, da qual são descontados os ativos do governo, se aproximou de 40% (39,6%). As projeções feitas para a dívida bruta são de que a mesma deve caminhar para 75% no final de 2016 e, mantido o déficit nominal em níveis elevados, de que poderá chegar a 80% no final de 2017 ou, quando muito, em 2018, caso outros de seus determinantes contribuam para reduzir a velocidade de sua expansão, caso do crescimento nominal do PIB e da desvalorização do Real, entre outros.
Nesse nível, especialmente para uma economia emergente, como o Brasil, que se encontra atualmente enquadrado pelas agências de rating como um país de alto risco (grau especulativo), tudo indica que se pode esperar por um quadro de acentuadas turbulências e de instabilidade da economia, caso o chamado “ajuste fiscal” comandado pelo governo Temer seja mantido no rumo atual.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colaborador do Brasil Debate e Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”.
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