Fabrício Augusto de Oliveira*
A presidente afastada, Dilma Rousseff, anda disputando com o presidente interino, Michel Temer, a paternidade do tímido raio de luz que começa a se projetar no cenário econômico brasileiro, de acordo com as análises e projeções de algumas instituições internacionais e de economistas do mercado.
Em entrevista à Rádio Educadora, de Uberlândia, no dia 27 de junho, disse que “os fundamentos da economia brasileira não mudam em dois meses e que, se há melhora na atividade, isso não é resultado do governo interino e que todos os fundamentos da economia foram dados no meu governo e de Lula”. E mais: que a melhora das expectativas dos agentes com a economia brasileira deve-se, principalmente ao fato de a grande imprensa ter sistematicamente promovido campanha contra o seu governo, o que teria deixado de acontecer com o atual governo.
Depois da desastrada Nova Matriz Econômica de 2011-2014 e ter optado por uma política de terra arrasada entre 2015 e início de 2016, Dilma, que procura desesperadamente agarrar-se a qualquer fato que lhe permita dizer que deixou um legado para a história, quer, a fórceps, também contabilizar previamente para sua administração todo e qualquer indício de recuperação que a economia venha a ter. Erra, em sua pequena fala, em três questões primordiais.
Embora as projeções sobre o desempenho da economia brasileira tenham melhorado, de fato, tanto para 2016 como para 2017, elas apenas indicam que o Brasil deverá permanecer no “inferno” da recessão/estagnação por mais algum tempo. Para 2016, o FMI apenas reduziu a contração esperada do PIB de 3,8% para 3,3%, no que tem sido acompanhado por outras instituições, e passou a apostar em um crescimento de 0,5% em 2017, o que não é indicador de nenhuma recuperação, mas apenas de que o desastre econômico poderá ser menor do que o anteriormente previsto.
Tal fato, no entanto, não se deve nem aos fundamentos que alega terem sido construídos por ela e por Lula, nem à política econômica da dupla Temer/Meirelles, que ainda não adotou nenhuma medida consistente para o crescimento e que continua perdida com o objetivo de um “ajuste fiscal primário” como precondição para sua retomada, o qual, além de insuficiente para essa finalidade, já que não enfrenta a situação das contas financeiras, se esfarinha, volta e meia, ante as demandas dos grupos que apoiam o novo governo. A ligeira melhoria registrada nas expectativas, captada por meio dos indicadores de confiança na economia de diversos setores, resulta, assim, mais da distensão provocada pelo encaminhamento de uma solução política para o país, do que propriamente por políticas econômicas comandadas tanto por um quanto por outro. Essa melhoria pode, contudo, rapidamente refluir, caso o governo Temer continue, como nos últimos dois meses, sem demonstrar a que veio.
No que diz respeito aos tais “fundamentos econômicos” que Dilma reivindica como sendo de sua criação, estes se reduzem ao volume de reservas externas (US$ 370 bilhões), obtido não por competência da política econômica, mas graças ao boom da economia mundial e das commodities, que ficou para trás, e à recuperação de resultados externos mais positivos, explicados pela atual recessão. Todos os demais se encontram, na verdade, fora do lugar: a elevada taxa de juros reais, que prejudica os investimentos e o consumo; o câmbio errático, que não encontra um ponto de equilíbrio, ora prejudicando o setor exportador, ora as empresas devedoras em dólar; o progressivo desequilíbrio fiscal, que deve empurrar a relação dívida bruta/PIB para algo em torno de 75% ainda este ano, aguçando mais as incertezas sobre a capacidade de solvência do Estado brasileiro; a ausência de crescimento, com todas as suas consequências econômicas e sociais, em termos de falência de empresas, desemprego, queda da renda dos trabalhadores e redução das políticas públicas como resultado da corrosão das receitas tributárias etc. O que apenas indica que o Brasil continua carente, ao contrário do que se apregoa, de fundamentos econômicos sólidos, e que estes não podem ser reduzidos apenas ao volume de reservas, banalizando este conceito.
Por último, atribuir à imprensa a responsabilidade pelo mau humor dos investidores e, consequentemente, pelo pífio desempenho macroeconômico do país, significa: i) isentar-se de qualquer erro cometido na condução da política econômica; ii) considerar os agentes econômicos neófitos em termos de capitalismo, já que se deixam guiar por rumores jornalísticos, por não conseguirem fazer uma leitura adequada da situação real da economia; iii) atribuir à imprensa um poder de que essa não dispõe: o de influenciar e comandar as decisões de investimento. Equívocos que apenas revelam como não se deve governar um país.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colaborador do Brasil Debate e Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Economia e Política das Finanças Públicas no Brasil”.
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