Frederico Bussinger*
Pontos-chave: 1) A discussão sobre renovação antecipada de
contratos chega às concessões FERROVIÁRIAS. Todas elas têm pleitos e
projetos de maior ou menor abrangência. O processo mais avançado é o da
Malha Paulista (Rumo-ALL). 2) Pelo menos ANUT e CNA são
“terminantemente contra a prorrogação antecipada”. E a CNA não esconde a
disposição de “ir às últimas consequências” para impedi-lo. Têm,
também, pauta alternativa. 3) Uma discussão que promete! Mesmo
porque, além dos argumentos não descartáveis, cada parte tem, atrás de
si, credenciais tampouco desprezíveis: importante desafio para a
diretoria da ANTT recém-recomposta. 4) O pior que poderia acontecer seria a judicialização de tais processos.
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“Diante de impasses,
mais importante que procurar resolver o problema,
é formulá-lo de forma diferente”
(Milenares provérbios, chinês e grego)
“Mudanças negociadas somente têm início
quando os negociadores passam a enxergar,
claramente, a próxima etapa”
(Henry Kissinger)
Essa discussão também já havia ocorrido em 2012 com relação às concessões de geração de energia que venceriam em 2015 (
01, 02, 03, 04, 05, 06). No setor portuário, renovações antecipadas foram objeto de intensa discussão conceitual durante a tramitação da
MP nº
595/12 (01, 02, 03, 04)), que veio a ser convertida na nova
Lei dos Portos em 2013; e, agora, vão sendo aplicadas a alguns casos concretos (
01, 02, 03, 04). De igual forma no rodoviário (
01, 02, 03); na exploração de petróleo (
01, 02); no
saneamento.
O
TCU, tribunais de contas e ministérios públicos, em geral, vêm com ressalvas renovações antecipadas. Por outro lado, governos se tencionam internamente entre o encanto (também necessidade) de aceleração de investimentos e a oportunidade para inclusão de outras exigências e/ou condicionantes contratuais por meio de novas licitações. Neste caso, como exercício de política pública ou como resposta a usuários e intervenientes, entre insatisfeitos e/ou vislumbrando mais mitigações/compensações.
Visando evitar contratempos o Governo Federal
estuda definir uma regra, geral e transparente, com premissas e balizamentos para tais processos.
Mais recentemente a discussão sobre renovação antecipada de contratos chegou às concessões ferroviárias: as tratativas sobre os contratos firmados na década de 90 saem dos gabinetes e vêm ao noticiário e ao debate público (
01, 02 ). E, como praticamente em todos os setores onde há usuários/clientes múltiplos e bem articulados, o processo encontra algumas resistências.
Dois recentes eventos contribuíram para mapear objetivos e argumentos de ambas as correntes: o workshop “Expansão das ferrovias: modelagem e projetos”, coordenado pela ABIFER e promovido pela FIESP (28/JUL); e a 49ª reunião da “Câmara Temática de Infraestrutura e Logística do Agronegócio –
CTLog ”, realizada no MAPA (3/AGO):
Todas as concessionárias têm pleitos e projetos de maior ou menor abrangência. Os da MRS, VLI e Rumo-ALL foram expostos, detalhados e discutidos no evento da
FIESP. O processo mais avançado, inclusive confirmado pela ANTT, é o da
Malha
Paulista (Rumo-ALL) que, com o trecho da Ferronorte, constitui o chamado “Corredor Santos” ou “Corredor Norte” – atualmente (pois há previsão de ampliação) entre Rondonópolis (MT) e Santos(SP).
O argumento para a renovação antecipada é clássico: investimentos (e resultados) mais rápidos do que poder-se-ia esperar caso os contratos tenham que passar por uma nova licitação.
No caso da Rumo-ALL, o projeto é apresentado como "o maior projeto logístico em desenvolvimento hoje no país”. Tem como meta “elevar o volume de 30 milhões de toneladas para 65 milhões de toneladas em 2025”; como objetivo maior “reduzir o custo Brasil" e como justificativa “enfrentar a acelerada concorrência das logísticas no sentido norte” (genericamente conhecidas como “Arco-Norte”). Prevê investimentos de R$ 8 bilhões e tem como pleito (condicionante e/ou contrapartida) um prazo adicional de 30 anos após o final do contrato (de 2028 para 2058); associado à possibilidade de
extensão (“green-field”) das malhas existentes (“brown-field”). Um exemplo é o trecho Rondonópolis-Sorriso, em território mato-grossense; pleito recém protocolado na ANTT (como foi revelado no workshop).
Na 49ª reunião da CTLog as renovações antecipadas foram também explicadas e defendidas pela
ANTF. Todavia a CNA, como já vem fazendo em outros fóruns, explicitou sua discordância: é “terminantemente contra a prorrogação antecipada”; e não escondendo a disposição de “ir às últimas consequências” para impedi-lo. Defende novas licitações para as concessões. Aliás, em grande medida, faz coro à cruzada da
ANUT dos últimos anos (
01, 02) .
Para além dos posicionamentos, para além dos discursos, apresentam uma pauta alternativa para encaminhamento dos processos. Em síntese: i) Licitações por corredores (ao invés de por malhas, como os contratos vigentes – o que implicaria, na prática, na “devolução” de 18.000 km vistos como “abandonados ou subutilizados”); ii) Processos obedecendo aos marcos regulatórios de 2011 (ao invés da “verticalização” das licitações dos anos 90; acusadas de “monopolistas” e vistas como responsáveis pelo fato de que atualmente menos de 10% do transporte ferroviário brasileiro faça uso de “
direito de passagem ); iii) Possibilidade de operador ferroviário independente – OFI; iv) Concessões com reserva mínima de 50% da capacidade para os OFIs; v) Estabelecimento de regras para venda de capacidade pelas concessionárias; vi) Não cobrança de outorga (posição também veementemente defendida pela
FIESP) ; vii) Auditoria dos passivos (das concessões vigentes); viii) Licenciamentos prévios (às licitações); ix) Implementação de conselhos de participação usuários, por corredor (aparentemente algo similar aos
CAPs no modelo portuário anterior).
Como pode ser facilmente observado são visões, modelos e encaminhamentos bastante diversos. Quase antagônicos; não? Uma discussão que promete; mesmo porque, além dos argumentos não descartáveis, cada parte tem, atrás de si, credenciais tampouco desprezíveis:
As concessionárias ferroviárias, por seu lado, podem exibir um currículo, escrito nos últimos 20 anos, de profunda transformação de parte significativa da malha ferroviária brasileira. Segundo o último balanço publicado pela
ANTF , entre 1997 e 2014, enquanto o índice de acidentes ferroviários caiu 84,7% e a idade média da frota à metade (de mais de 40 para cerca de 22 anos), a movimentação cresceu aceleradamente, lembrando as “taxas chinesas” (83,2% em TU), e a produção robustos 124,1% (em TKU – média de 4,9% a.a). Como comparação, isso é o dobro do crescimento do PIB no período: 58,9%. A se destacar o segmento de contêineres, que cresceu 114 vezes (média de 32,2% a.a)!
Esse desempenho resultou de investimentos de R$ 48,6 bilhões (média de R$ 2,86 bilhões/ano – da ordem de grandeza do que hoje se pretende) em projetos articulados de recuperação e expansão acessória da infraestrutura, de renovação e ampliação da frota de material rodante, de implantação de novos sistemas de sinalização e controle, de instalações e equipamentos para desenvolvimento da intermodalidade, e de novos padrões gerenciais. Além dos investimentos feitos, as concessionárias informam terem pago ao governo federal R$ 7,8 bilhões a título de concessões e arrendamentos, e R$ 21,3 bilhões em tributos (cerca de R$ 29 bilhões no total).
Portanto, tem credenciais para oferecer ao governo, à economia, à logística e à sociedade brasileira, com credibilidade, a perspectiva de planos/projetos de novos e eficazes investimentos para o futuro próximo. Inclusive para melhorias nas logísticas (tempo, qualidade de serviço e custo) a serviço do próprio agronegócio; área/função com
carências múltiplas.
Tais melhorias certamente são bem vindas pelo agronegócio; aliás, até são reivindicadas. Só que este não quer “ficar nas mãos de monopólios”: quer ter garantias de que os (inegáveis) benefícios que o transporte ferroviário possibilita “chegue à porteira da fazenda”. Enfim, querem se apropriar de tais benefícios – ao menos em parte.
E, para isso, também tem “bala-na-agulha”; vez que o agronegócio vem sendo o pólo dinâmico da economia e das exportações brasileiras nos últimos anos. Além disso, “last-but-not-least”, o setor tem presenças importantes nos ministérios e expressivas bancadas congressuais.
Enfim, uma discussão que promete! Um importante desafio para a diretoria da ANTT (
01, 02, 03) recém-recomposta.
Sucesso! O Brasil precisa tanto de um agronegócio pujante e competitivo (
01
, 02 ) como de concessões ferroviárias modernas, eficientes, empresarialmente sadias e proativas, visando ao
aumento da sua participação na matriz de transportes brasileira. Incidentalmente há grande
sinergia entre esses dois setores.
O pior que poderia acontecer, para tais ingentes objetivos, seria a judicialização de tais processos.
(Continua em próximo artigo)
*Engenheiro Eletricista e Economista, Pós-graduado em Engenharia, Administração de Emprsas, Direito da Concorrência e Mediação e Arbitragem.