Bárbara Juliana Pinheiro Borges* e Antonio Alberto Ribeiro Fernandes**
Os avanços científicos surpreendem a cada momento histórico e, muito do que antes só se concebia por meio de ficção, hoje é possível de se construir na realidade. Em se tratando de biotecnologia, atualmente a comunidade acadêmica se encanta e comemora o desenvolvimento de uma ferramenta valiosa empregada na engenharia genética. Esta ferramenta é conhecida como CRISPR ou CRISPR/Cas9, que vem do inglês Clustered Regular Interspaced Short Palindromic Repeats ou Clustered Regular Interspaced Short Palindromic Repeats/associated protein Cas9, quando associado com uma proteína (enzima) Cas9.
Inúmeros grupos de pesquisa ao redor do mundo já vêm utilizando a tecnologia que possibilita identificar uma sequência genômica com alta taxa de especificidade e a modificar ou deletar com grande precisão o DNA. Além disso, a ferramenta tem a facilidade de ser muito mais rápida e prática do que as demais ferramentas de engenharia genética que vinham sendo empregadas antes. Mas se pesquisa, desenvolvimento e inovação envolvendo modificações genéticas já vinham sendo promovidas pelo homem e até inseridas em produtos comercializados há tempos, por que tanto interesse nesta ferramenta em especial?
Em primeiro lugar, porque a tecnologia do CRISPR é uma alternativa revolucionária na pesquisa, desenvolvimento e inovação em biotecnologia. Trata-se de uma técnica de baixo custo, de fácil manuseio e rápida aplicação quando comparada às demais, possibilitando, ainda, alta taxa de sucesso nas modificações genéticas delineadas por sua especificidade. Desse modo, facilitam-se o estudo e a compreensão de condições fisiopatológicas em animais e humanos, aumentando consideravelmente as chances de desenvolvimento de sistemas terapêuticos para enfermidades até hoje sem tratamento. Nesse sentido, presta-se a uma relevante contribuição à sociedade.
Por outro lado, algumas questões éticas são suscitadas com o uso do CRISPR. Esta ferramenta viabiliza a criação de organismos geneticamente modificados (OGMs) sem deixar traços ou vestígios de que houve uma alteração genética, o que, segundo grupos contrários aos OGMs, poderia ser um subterfúgio para as grandes empresas, evadindo-se de legislações e regulamentações restritivas. E não é só isso. A discussão vai mais além, pois, apesar de, na maior parte dos países, as pesquisas genéticas com seres humanos serem altamente reguladas e pontuais, pesquisadores chineses já publicaram a aplicação da tecnologia em humanos (para maiores informações, ver http://www.nature.com/news/chinese-scientists-to-pioneer-first-human-crispr-trial-1.20302). Outro ponto corresponde ao fato de que a técnica, por mais que seja altamente específica e eficiente na promoção de modificações genéticas, não é 100% (assim como todas as tecnologias), podendo acarretar efeitos em locais não alvo (do inglês, off-target) no DNA. Tais modificações são indesejáveis e possuem pequena probabilidade de ocorrência.
Ademais, os direitos de propriedade intelectual sobre a tecnologia do CRISPR estão em discussão judicial entre dois grupos de pesquisadores, de um lado, Jennifer Doudna (Universidade da Califórnia, Berkeley) e Emmanuelle Charpentier (Instituto Max Planck, Berlim) e, de outro, Feng Zhang (Instituto Broad, MIT e Harvard). Até o momento, o confronto está empatado, tendo Doudna e Charpentier a seu favor o fato de seu pedido de depósito ter sido realizado primeiro, e Zhang contando com a vantagem de um pedido dotado de reivindicações mais específicas e bem delimitadas. Enfim, ainda permanece a incerteza sobre qual grupo de pesquisadores será detentor dos direitos de propriedade intelectual sobre esta incrível tecnologia; processo judicial este que está sendo acompanhado de perto pelos ansiosos investidores que vislumbram futuros negócios e, ainda, pelos pesquisadores que já vêm empregando a tecnologia em suas pesquisas e promovendo melhorias na ferramenta de engenharia genética.
Estes avanços envolvendo modificações genéticas têm na democracia a sua garantia de que a sociedade poderá usufruir dos benefícios tecnológicos com suficiente proteção aos eventuais riscos. No caso do Brasil, todos os processos envolvendo OGMs passam por uma análise técnica criteriosa de segurança na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), seguindo procedimentos pautados pela regulamentação e transparência (para maiores detalhes sobre o funcionamento desta comissão, ver http://ctnbio.mcti.gov.br).
Talvez ainda estejamos distantes de participar de aventuras cinematográficas em excursões pelo espaço, teletransporte ou corridas de carros voadores por cidades prateadas, mas, certamente, estamos bem próximos de discutirmos os princípios morais do planejamento genético de nossos filhos e netos. Um negócio de bilhões de dólares. Assim, podemos afirmar sem susto que esta vai ser a batalha biotecnológica mais acirrada nesta década ou século.
Este texto foi produzido com suporte na publicação intitulada “CRISPR: Biotech breakthrough, IP battle and ethics questions of the century”, de 11 de agosto de 2016 (disponível em:
*Advogada; Graduada em Farmácia-Bioquímica USP Ribeirao Preto; Mestra em Ciências USP Ribeirao Preto; Doutoranda em Biotecnologia - Bionegócios e Marcos Legais;
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