Por: Fabrício Augusto de Oliveira*
Com a rejeição dos destaques que ainda precisavam ser votados, encerrou-se, no dia 30 de agosto, na Câmara dos Deputados, a apreciação do projeto de renegociação da dívida dos estados, que vem se arrastando há alguns anos sem conseguir ser concluído. Seu objetivo, na última versão, continua sendo a de dar um alívio na situação das finanças dos governos estaduais, tal como originalmente proposto, mas, ao mesmo tempo, exigindo contrapartidas para envolvê-los, compulsoriamente, no esforço de realização do ajuste fiscal que vem sendo ensaiado pelo governo como um todo.
Foi assim que, pelo projeto encaminhado à Câmara dos Deputados (PLC 257/16), foi mantida a mudança dos indexadores e índices de correção da dívida dos estados com a União para IPCA + 4% de juros reais ou, alternativamente, a taxa Selic, optando-se pelo que for menor, acrescentando-se a essa mudança ganhos adicionais anteriormente não contemplados, tais como: i) carência do pagamento dos encargos da dívida até dezembro de 2016; ii) a partir de janeiro de 2017 descontos significativos no pagamento destes encargos, os quais, progressivamente seriam aumentados até a sua total recomposição em julho de 2018; iii) incorporação da parcela não paga neste período ao principal; e iv) ampliação de 20 anos no prazo para o seu pagamento da dívida.
Em contrapartida, considerando a necessidade de realização de um ajuste fiscal mais confiável para o país, para terem direito a esses benefícios os estados deveriam se comprometer a: i) não conceder reajustes salariais para o funcionalismo público e nem realizar novos concursos durante dois anos; ii) contabilizar os gastos realizados com terceirizados e outros tipos de despesas com o funcionalismo como gastos com pessoal, visando tornar mais realista a despesa efetiva com os servidores públicos, bem como a dimensão do ajuste a ser realizado nessa área de; iii) estabelecer um teto dos gastos totais dos estados nos próximos dois anos, limitados à inflação.
No texto-base aprovado na Câmara dos Deputados no dia 10 de agosto algumas dessas exigências foram descartadas: i) sob pressão inicial do judiciário, ao qual posteriormente se juntaram outras categorias dos servidores, a proibição de reajustes salariais e a realização de novos concursos terminaram não sendo aprovadas; ii) da mesma forma, foi retirada do texto o enquadramento dos terceirizados como gastos com pessoal, o que levaria vários estados a uma situação de flagrante desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Restou, assim, no texto, das contrapartidas inicialmente exigidas, apenas o compromisso com o estabelecimento de um teto das despesas limitado à inflação do ano anterior por um período de dois anos.
Entre os destaques que foram rejeitados pelos deputados no dia 30 de agosto, o principal dizia respeito à reivindicação que passou a ser feita pelos governos estaduais das regiões do Norte e do Nordeste de contarem com uma compensação financeira para aprová-lo, considerando que, por serem estados com baixo nível de endividamento com a União, praticamente nada (ou muito pouco) ganhariam com a sua aprovação. Embora o governo federal tenha sinalizado que poderá atender tal pleito posteriormente, sua posição era a de rejeição dessa emenda neste projeto, o que conseguiu na apreciação destes últimos destaques, entre os quais aparecia, também, a exclusão das áreas da saúde, educação e segurança das limitações estabelecidas para o conjunto dos gastos.
O projeto segue agora para apreciação do Senado Federal, mas já é possível antecipar que ele não representa nem uma solução definitiva para a situação financeira dos estados e, menos ainda, para a questão do ajuste fiscal pretendido pelo governo federal.
De positivo o projeto alivia por dois anos os fluxos orçamentários destes governos com as medidas adotadas, propiciando-lhes contar com maiores receitas, neste período, para a cobertura de suas despesas não financeiras. Além disso, tanto a mudança dos indexadores como dos índices de correção da dívida tornam os seus custos mais reduzidos, diminuindo o pagamento futuro de seus encargos. Em contrapartida, como estes deixarão de ser integralmente pagos por seis meses e apenas pagos parcialmente por dezoito, o estoque da dívida inevitavelmente aumentará, neutralizando parte desses ganhos quando os pagamentos voltarem a ser feitos integralmente. O grande nó reside, no entanto, para boa parte dos estados, na questão relativa aos gastos com pessoal, para os quais não se contempla nenhum ajuste.
Ao não resistir às pressões para abrir mão da limitação dos reajustes salariais dos servidores públicos, bem como de novas contratações de funcionalismo, o governo federal praticamente enfraqueceu o objetivo de exigir o compromisso dos estados com a realização de um ajuste fiscal consistente, mesmo tendo conseguido a aprovação da limitação dos gastos totais à inflação. Na situação atual e também por se tratar de um ano de eleições, essa representa uma janela aberta para que os gastos com pessoal possam aumentar ainda mais, o que, num período de recessão e de contração das receitas, deve obrigar aos mesmos, no caso de aprovação do limite global de gastos por suas assembleias, a realizar cortes em áreas essenciais para a população, como as que dizem respeito à saúde, educação, segurança, por exemplo, sem que, necessariamente, o ajuste pretendido seja alcançado.
A previsão é de que o governo federal incorra em perdas de R$ 50 bilhões com o projeto com os benefícios concedidos, mas sem nenhuma garantia de que os estados efetivamente contribuam para sanear e reequilibrar as suas contas. Neste caso, provavelmente em muito pouco tempo, com a presumível situação de falência financeira que já bate às portas de alguns estados, a busca de novas soluções para a questão federativa retornará ainda com maior força ao centro dos debates. É o preço a se pagar quando se trata topicamente uma questão – a federativa - que exige solução estrutural.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colaborador do Brasil Debate e Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”
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