Por Fabrício Augusto de Oliveira
Um movimento de rebeldia dos governos dos estados do Norte e do Nordeste ameaça colocar em risco o já frágil ajuste fiscal proposto pelo governo federal, mas que ainda em nada avançou. Tendo visto ser descartado na aprovação do projeto de renegociação da dívida na Câmara dos Deputados, no dia 30 de agosto, o pleito de receberem repasses da União como compensação por não terem responsabilidade nessa situação, os governadores dessas regiões ameaçam decretar “estado de calamidade” de suas finanças, como o Rio de Janeiro fez recentemente, obtendo R$ 2,9 bilhões da União, para forçar o governo federal a socorrê-los.
Na mesma direção se propõe a seguir oportunisticamente o estado de Minas Gerais, vendido até há pouco tempo, pelos governos Aécio Neves e Antônio Anastasia, como exemplo de um estado com finanças estruturalmente saneadas, uma falácia como apontamos em várias oportunidades, e pelo atual governo, Fernando Pimentel, de que iria transformá-lo no paraíso para a população. Segundo declarações de seu secretário da Fazenda, José Afonso Bicalho Beltrão, a situação do estado, para o qual está previsto um déficit de R$ 9 bilhões em 2016, praticamente reeditando o registrado em 2015, é insustentável, não vendo outra saída senão a de acompanhar os governadores do Norte e Nordeste nessa iniciativa de acuar o governo federal para atender este pleito.
O fato é que o Brasil parece estar caminhando novamente para um cenário em que todas as luzes começam a se apagar e no qual não se encontra sequer alguém com um mísero fósforo para restaurar algum fio de esperança. Na bonança do período 2003-2010, não houve nenhuma preocupação tanto do governo federal como dos governos subnacionais em realizar reformas estruturais, seja para fortalecer a arrecadação com alterações tributárias mais progressivas, seja para aumentar a eficiência do gasto ou para promover ajustes em suas finanças, como se os governos pudessem tudo e fossem criadores de uma riqueza sem fim.
Pelo contrário, na maré boa da arrecadação produzida por essa bonança, não somente os gastos correram soltos, especialmente os que dizem respeito aos servidores públicos, como a promessa de construção de verdadeiros paraísos para a população, como feito pelo governo de Minas, se tornaram norma. Com a crise econômica e a queda da arrecadação, todos agora correm buscando transferir a responsabilidade por sua insanidade na época de vacas gordas para outros, dela se eximindo, como se não tivessem nenhuma culpa em tudo isso.
Em uníssono, essas vozes agora se voltam para condenar a Constituição de 1988 por ter gerado uma estrutura de gastos vinculados às receitas que torna o orçamento inadministrável, exigindo que essa seja desmontada para a saída da crise. Esquecem-se, nessa avaliação, de mencionar os gastos que são feitos para aumentar o pessoal apenas para atender interesses políticos, partidários e clientelísticos do governante, os elevados salários da burocracia, cujos ministros e secretários recebem até R$ 40 e R$ 50 mil por mês com os inevitáveis jetons para participarem dos conselhos de empresas e instituições estatais, os gigantescos subsídios e benefícios tributários dados para o capital e os também magníficos gastos financeiros com os encargos da dívida que enchem de alegria os bolsos dos credores estatais. Ou seja, preparam o terreno para novamente lançar a conta destes desequilíbrios exatamente para quem tem a menor responsabilidade na sua geração: a população, principalmente a camada de menor poder aquisitivo.
Ninguém discorda que a questão federativa é – e continua sendo – uma questão mal resolvida no Brasil, cuja solução exige uma reforma profunda deste modelo. Assim também como não há discordância de que a crise econômica agravou a situação com a queda da arrecadação dos governos, em geral, diante de uma estrutura de gastos enrijecida. O que não se pode admitir é que pouco (ou nenhum) empenho tenha sido feito pelos governantes para dar andamento a essa reforma e/ou preparar-se para enfrentar inevitáveis situações de crise, ajustando e administrando melhor os recursos públicos, como se estes não tivessem limites.
Caso o governo federal não consiga resistir aos apelos e pressões dos governos estaduais para transferir-lhes mais recursos, o ajuste fiscal que se persegue terá fracassado antes mesmo de iniciado e o país poderá perder o resto de credibilidade que ainda resta junto aos investidores. Caso a eles não se dobre, serão os governos subnacionais (estados e municípios) que sucumbirão ante a estrutura explosiva de seus gastos e à sua incapacidade de suportá-los. Resta saber o que resultará em mais prejuízos para a economia e a sociedade. Mas que eles são certos, isso não se discute.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Brasil Debate e Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial, Brasil 1980-2010”
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!