
Por Erlon José Paschoal
Falar de teatro e de crítica social nos remete imediatamente a um dos grandes nomes do teatro do século XX: Bertolt Brecht, teatrólogo e escritor alemão que, com sua obra, mudou o panorama do teatro no século XX. Para muitos, o teatro só faz sentido no mundo atual se estimular o espectador a refletir sobre a organização social e o comportamento humano de maneira única e prazerosa.
Nascido no interior na Alemanha, Brecht tornou-se adulto em meio à guerra, e logo mudou-se para Berlim. Transformou-se depois numa das personalidades teatrais de maior influência neste século tão contraditório. Sua arma era estimular o raciocínio crítico, proporcionar diversão e apelar ao bom senso. Seus textos levam o público a observar a realidade de um ponto de vista “distanciado”, e a avaliar as atitudes dos personagens, em tudo semelhantes à vida real.
Brecht costumava também adaptar textos já consagrados, reaproveitando assim, enredos e fábulas conhecidas pelo público, a fim de mostrar a relatividade das verdades absolutas. Contudo, sempre imprimia fortemente nestas adaptações suas convicções e pontos de vista.
Escreveu incessantemente: peças, ensaios, anotações, contos, poemas, críticas, romances, artigos, cartas, discursos. Foi o exemplo vivo do teatro de equipe, do trabalho em conjunto, do “ensemble”, cercando-se durante anos dos mesmos colaboradores, experimentando e compartilhando com eles suas ideias. Isto, sem dúvida, o distingue da maioria dos dramaturgos, pois, muitas vezes, reescrevia suas cenas após os ensaios, aprimorando assim a eficácia cênica de suas propostas. Para a grande maioria de suas peças, escreveu em parceria com grandes músicos canções de rara beleza que acentuam o poder de entretenimento do teatro, a par de seu dom de instruir.
Uma sociedade dividida em classes, condicionada por conflitos de origem econômica, necessita de uma arte que mostre o mundo “como ele realmente é”. Um teatro que mostre, numa perspectiva crítica, as razões “ocultas”, que regem a vida humana; que apresente os acontecimentos sempre como passíveis de transformação. Mas deve prevalecer sempre na encenação e na linguagem adotada no palco a beleza, a força significativa dos gestos e a leveza.
Brecht funda sua teoria da encenação sob um princípio de prática coletiva da arte que estimule os indivíduos concomitantemente à ação e à reflexão. Não basta assistir e se divertir, é preciso também exercitar a capacidade de pensar socialmente e se transformar num cidadão melhor. Somos levados a aceitar e a compreender que a história é feita pelas atitudes e decisões de cada indivíduo.
Na atual situação do país, na qual a bandidagem se instaurou através de golpes sucessivos em todos os poderes e ameaça o futuro do cidadão brasileiro, nada mais atual que fazer do teatro um espaço privilegiado de debate de ideias e de exercício da visão crítica do mundo que nos rodeia.
Nestas últimas décadas, as ideias de Brecht continuaram evoluindo e se adaptando às novas necessidades da vida moderna, e fornecem um instrumental útil para quem vê no teatro algo mais que a simples ostentação da vaidade fútil. Afinal, o teatro é o espaço da celebração coletiva dos valores básicos que fundamentam as relações humanas. Por isso, a atividade teatral continua e continuará sendo essencial em uma sociedade civilizada dominada pelas novas tecnologias.
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.