Por Guilherme Henrique Pereira*
O noticiário de hoje (10/10/16) traz dois blocos de notícias que chamam atenção para a pesquisa e a utilização de seus resultados no campo da economia política. Um debate muito necessário pela importância que tem na formação de nossas sociedades, sua organização política, como produz e como distribui suas riquezas.
A primeira delas diz respeito ao Prêmio Nobel de Economia de 2016 concedido aos economistas Oliver Hart, 68, da Universidade Harvard, e Bengt Holmström, 67, do MIT (Massachusetts Institute of Technology).
Ao anunciar a premiação, a Academia Real Sueca de Ciências, em Estocolmo, destacou que "economias modernas são ligadas por inúmeros contratos" e que os trabalhos de Hart e Holmström "criaram uma base intelectual para o desenho de políticas e instituições em muitas áreas, da legislação de falência a constituições políticas".
"A pesquisa do britânico Hart é focada no papel que a estrutura acionária e os arranjos contratuais têm sobre a governança das empresas.
Ele é reconhecido por mostrar, com estudos feitos na década de 80, que falhas contratuais ocorrem em situações em que não é possível registrar e prever todas as informações possíveis no papel.
Essa linha de pesquisa mostrou a importância de se ter, portanto, especificado qual das partes envolvidas teria o direito de tomar decisões em circunstâncias não antecipadas originalmente.
Os estudos de Hart contribuíram para discussões de temas variados, como que tipos de empresas devem se fundir e a conveniência de se ter escolas e prisões controladas pelo capital privado. "
A concessão desse prêmio tem grande repercussão na imprensa comercial e talvez seja bastante merecida nos temas das chamadas ciências exatas e da vida. Contudo, no tema da Economia deixa algumas dúvidas. Nem sempre os trabalhos anunciados como justificadores da escolha são convincentes quanto ao poder explicativo do funcionamento da economia moderna ou quanto ao poder de oferta de soluções para as crises profundas desse sistema.
Talvez alguns economistas, entre muitos que trabalham na crítica do sistema capitalistas, tenham contribuído mais para a nossa compreensão de como opera esse modo de produção do que todos o que já receberam o Nobel. Basta ver a lista dos que já foram laureados. Todos trabalharam em questões ou falhas do sistema com o objetivo de convencer que, apesar delas, o sistema é o melhor para todos.
Agora mesmo o mundo vive uma profunda crise pela larga dominância do capital especulativo, com geração de títulos, derivativos e direitos em registros virtuais que cumprem a função de gerar mais direitos de apropriação da riqueza (lucros fictícios) sem que haja correspondência de riqueza real. Há pesquisas importantes sobre esse tema crucial para o entendimento das crises recorrentes do capitalismo atual, mas, de novo os jurados parecem ter o olhar distante do mundo real.
“O pesquisador britânico escreveu na conta do Twitter do Prêmio Nobel que acordou às 4h40 da manhã e "ficou se perguntando se estaria ficando muito tarde para ser neste ano, mas então o telefone, felizmente, tocou".
Parece que o próprio pesquisador sugere em sua manifestação de surpresa que o seu trabalho já tinha perdido a atualidade. Na verdade, neste ano já está mais que claro que as ameaças ao funcionamento do sistema são de outra natureza, com determinações muito mais de fundo e consequências devastadoras para a vida de milhões de pessoas.
O segundo bloco de notícias situado em um plano mais concreto e local fala do esforço do governo e das possibilidade de aprovação de uma limitação para os gastos públicos. Ainda não li nem ouvi qualquer argumento razoável sobre as vantagens da medida na forma em que está sendo apresentada. O lugar comum com o primeiro bloco de notícias é o distanciamento do mundo real e do conjunto do conhecimento da disciplina economia política.
Os governos têm a responsabilidade de elaborar e implementar as políticas macroeconômicas (fiscal, cambial, monetária, etc.) sem as quais o sistema não é capaz de funcionar adequadamente. Assim, estabelecer uma regra constitucional limitando o gasto público, é abrir mão da política fiscal. Os economistas do Governo sem argumento tecnicamente plausível para justificar a medida, acabam caindo no ridículo comparando a situação com as de um indivíduo. O chefe de família é consumidor e não tem responsabilidade de regular o sistema, portanto, sua finança doméstica nada tem de parecido com a de um país. Utilizar-se dessa comparação é acreditar que todos os demais são idiotas.
*Economista, Professor, Doutor em Ciências Econômicas.
Nota: Trechos entre aspas conforme texto da Folha de São Paulo.
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