Por Neide César Vargas*
O governo Temer apresenta como sua principal proposta no campo orçamentário a PEC 241, que instituiria o que denomina de “Novo” Regime Fiscal. Mas tal regime está longe de ser novo, vigorou plenamente no Brasil entre 1999/2006, assentado em um compromisso com a garantia de geração de superávits primários. Em bom português, os superávits primários são economias feitas pelo governo nas suas despesas não financeiras de forma a garantir sobras expressivas de recursos usadas para pagar juros de dívidas prévias.
Se nos modelos econômicos envolvidos tudo parece dar certo, na prática não é bem assim. Nesse longo período em que o “dever de casa” foi feito, nunca se alcançou cobrir toda a necessidade de recursos capaz de evitar que a dívida pública continuasse a crescer inclusive a taxas explosivas. Mesmo as expressivas privatizações tiveram baixo impacto na redução da dívida, distante das promessas que foram feitas antes de empreendê-las. A despeito de gerar sobras relevantes no campo não financeiro, entre 1999/2013, mesmo assim o governo teve que se endividar ainda mais para arcar com a parcela de juros que não alcançou pagar, comprometendo crescentemente o orçamento com despesas financeiras.
Deve-se destacar que as sobras de recursos fiscais foram geradas notadamente com base na elevação da carga tributária que cresceu desde 1993 cerca de 10% do PIB. Tal elevação se deu principalmente pela criação de novas contribuições sociais e majoração de alíquotas de contribuições sociais pré-existentes. Tendo em vista se tratar de tributação indireta, repassada ao consumidor, quem mais pagou essa conta foi o consumidor final, especialmente os de menor renda, cujo ônus tributário alcança atualmente níveis escandinavos. De qualquer forma, tendo em vista que algumas dessas contribuições atingiram o faturamento e o lucro das empresas não financeiras elas também trouxeram efeitos danosos nesse âmbito.
Secundariamente, as sobras fiscais deveram-se ao corte de gastos primários, cuja promessa de redução relevante se assentava em reformas estruturais. Nessa toada, foram feitas as reformas administrativa, previdenciária sempre considerando que havia muito inflexibilidade para cortar gastos e que só por essa via poderiam ser resolvidas as questões nessa frente.
Talvez o que a PEC 241 tenha de novo é o fato de reorientar as suas baterias para o gasto não financeiro, estabelecendo um teto de gastos. O objetivo é o mesmo de antes: gerar uma folga fiscal visando garantir o pagamento de despesas financeiras prévias. A estratégia é distinta, controlando despesas num horizonte maior. Por outro lado, nesse regime de sustentabilidade não é lógico imaginar que, com a queda mais relevante dos gastos, a carga tributária vá cair.
O teto consiste em corrigir o gasto primário pela inflação, tomando-se como base o gasto em 2016. Fora dos limites ficam apenas transferências constitucionais aos estados e municípios, royalties, salário educação e complementação FUNDEB União.
Devem obedecer ao teto os três poderes e seus órgãos, o que evidencia não se tratar apenas de um teto global de gastos como tem sido veiculado, mas sim de um congelamento da estrutura de gastos no padrão verificado em 2016. Considerando-se que os gastos com previdência tendem a crescer a taxas acima dos demais e que as transferências aos estados e municípios crescerão em conformidade com a receita, a tendência será a compressão relativa das despesas discricionárias (especialmente investimentos), dos gastos sociais e das despesas com pessoal.
Caso os poderes/órgãos não cumpram o teto ficarão submetidos às vedações quase todas associadas a mecanismos de remuneração de servidores federais, a estrutura de carreira e contratações/concursos públicos. Excetuando essa frente, a vedação também atingirá a concessão ou ampliação de benefícios fiscais. A alteração do teto será de iniciativa exclusiva do Executivo, num prazo de 10 anos.
Tal medida condiz com diagnóstico do governo que considera que a “raiz do problema fiscal do Governo Federal está no crescimento acelerado da despesa pública primária”, a taxas superiores às da receita. Reputa ao teto do gasto primário o condão de resolver a grave crise fiscal em curso bem como o descontrole sobre a dívida pública. Não obstante, as explicações da crise fiscal não parecem ser tão simples assim.
A crise fiscal brasileira se manifestou de forma mais evidente a partir de 2014, quando os indicadores fiscais sofreram forte deterioração. Naquele ano, além da própria perda de fôlego da política de estímulo ao consumo com endividamento e da baixa efetividade dos fartos mecanismos de estímulo ao investimento produtivo, tanto através do crédito subsidiado quanto das desonerações fiscais, a crise internacional passou a impactar de maneira mais relevante sobre a economia brasileira. A retração econômica comprimiu as receitas públicas, também dilapidas pela continuidade das desonerações fiscais. Adicionalmente, o ciclo político, em 2014, elevou os gastos, resultando em déficit primário pela primeira vez desde 1997.
A adoção de uma política fiscal dura, ao final de 2014, serviu apenas pontualmente para evitar a explosão da taxa média de remuneração da dívida pública, que até então flutuava em torno de 15% a.a.. Como a retração do crescimento da economia já estava em curso, a política fiscal restritiva aprofundou ainda mais a recessão econômica e o déficit primário, a despeito do esforço de corte de gastos. A explosão da crise política ao longo de 2015 e o sistemático comportamento não cooperativo da Câmara de Deputados ensejou as pautas bombas e os boicotes à aprovação de medidas orçamentárias consideradas necessárias pela equipe econômica. O resultado se manifestou na explosão da taxa média de remuneração da dívida que atingiu, em janeiro de 2016, o seu ápice (31,9% aa). Isso tornou as finanças públicas imanejáveis e, mesmo com a queda do Governo Dilma, a remuneração da dívida não retomou os patamares de meados de 2014.
A crise fiscal e financeira do governo federal não se deve apenas a gestão econômica e fiscal do governo Dilma. Além do esgotamento do modelo econômico/fiscal, a crise externa e a atuação da Câmara de Deputados ajudaram a aprofundá-la. Por tais razões o ajuste fiscal duro e de longo prazo previsto na PEC 241 não alcançará entregar o que promete: redução relevante da taxa de juros e retomada dos investimentos.
*Economista, Professora , Doutora em Ciências Econômicas.