Erlon José Paschoal*
Há algumas décadas estávamos todos empenhados em construir uma sociedade democrática, contrária à ditadura militar, regime truculento e impiedoso, cuja prática repressiva principal consistia na prisão indiscriminada de possíveis opositores e na tortura. Hoje a luta pela consolidação da democracia no país passa pelo combate à corrupção já entranhada nas estruturas do poder e tornando-se perigosamente a regra nas relações institucionais, ao invés de uma exceção esporádica. Com o golpe de 2016, a bandidagem se instaurou em todos os poderes, em conluio com o jornalismo manipulador, sórdido e mau caráter e o empresariado interessado em enriquecer ainda mais, mesmo às custas do aumento da pobreza da grande maioria.
Num arroubo arrogante de vaidade mesquinha juízes e procuradores diversos se arvoram em fazer do país uma república das bananas que persegue, intimida, humilha, ameaça e espezinha supostos adversários políticos, uma ditadura extemporânea e anacrônica com uma fantasia de legalidade. Assemelha-se a um terrorismo de Estado que age de maneira irresponsável e arbitrária acima das leis e da constituição. O nível ridículo e infame do power point de Curitiba apresentado por pseudo-religiosos fascistas a serviço da golpecracia motivados pelo ódio, o preconceito e o rancor, conspurcando a jovem democracia brasileira, deixou a todos os cidadãos honestos estarrecidos e assustados.‹ Um espetáculo de arbitrariedades e de autoritarismo obcecado representado unicamente para satisfazer a empáfia doentia de pequenos inquisidores e ditadores e aterrorizar cidadãos brasileiros.
Segundo o filósofo Ricardo Timm, o "Judiciário brasileiro (e as valiosas exceções confirmam a deslavada regra) se constitui em uma perfeita casta de privilégios, em constante troca de favores com os demais poderes e os Donos do Poder. Sua função ideológica específica é dar aparência de legitimidade às decisões da Casa Grande, e aqui, novamente e de modo muito incisivo, as exceções confirmam a regra".
Entre os inúmeros males causados pela corrupção em todas as esferas de poder, o pior deles é a destruição sistemática da legitimidade das instituições democráticas, levada a cabo no momento com maestria pelo governo de bandidos golpistas empenhados no desmanche dos avanços democráticos, dos direitos do cidadão e de setores estratégicos da economia. Num ciclo vicioso intermitente, a corrupção se fortalece e se perpétua, pois inexistem instâncias superiores especializadas neste tipo de crime; o judiciário protela ad infinitum as possíveis condenações de comparsas e cúmplices, facilitando as negociatas e as práticas abusivas de políticos inescrupulosos; o legislativo não aprova leis que venham a dificultar a prática da corrupção porque tem grande interesse nela, afinal a grande maioria depende dela; e assim a população vai se acostumando com os escândalos que geram prejuízos de bilhões aos cofres públicos.....e a roda da degradação vai girando.
Neste sentido vale destacar que as práticas cotidianas da quadrilha de bandidos golpistas que usurpou os poderes, apoiado diariamente pelo jornalismo calhorda e disseminador de factóides, estão criando um país doente, racista, dividido, preconceituoso e maniqueísta. Inventaram um inimigo público que pode ser chamada de “vermelho, corrupto, comunista, petralha, petista” e afins, com o intuito de iludir a opinião pública e encobrir a sordidez de seus propósitos. Para o pensador italiano Norberto Bobbio, os fascistas não combatem de fato a corrupção, apenas usam-na como pretexto para tomar o poder.‹
É preciso sim discutir a corrupção, refletir sobre essa prática hedionda. É um tema que deveria estar presente nas escolas e em programas de televisão. Que fenômeno é esse com o qual somos obrigados a conviver como se fosse um mal hereditário, uma doença de família, uma epidemia incurável? Esse é o novo ponto de mutação da cultura brasileira: ou superamos essas práticas calhordas e nos tornamos uma sociedade menos injusta ou seremos eternamente o país do futuro, repleto de crises e disparates sociais. O futuro deve ser criado agora.
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão.