Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Com a proposta de estabelecer um teto para os gastos públicos não financeiros, o governo Temer, sem nenhuma legitimidade política, quer escrever, juntamente com Henrique Meirelles, uma nova Constituição para o Brasil, jogando para escanteio a de 1988 que foi aprovada por um Congresso constituinte. Apoiando tal medida, se encontram órgãos da mídia, inúmeros grupos e órgãos de representação dos empresários, instituições internacionais e mesmo cidadãos que não veem outra saída, mesmo por que enganados com a divulgação pelo governo e imprensa sobre a crítica situação das contas públicas, senão a de dar um tiro de misericórdia na Constituição cidadã de 1988.
Espertamente, o presidente Temer não quer parecer, contudo, insensível aos apelos das áreas sociais mais nobres para delas afastar a tesoura destes cortes. Concordou em transferir para 2018 a inclusão da saúde e da educação no teto. Só não esclareceu como isso será feito. Dependendo da forma poderá prejudicar ambas as áreas em 2017, caso se confirme a queda do PIB de mais de 3% e a das receitas de mais de 5%. Pelas novas regras da PEC do teto, que corrige os gastos do ano anterior pela inflação, haveria um ganho real para as mesmas. Pela regra anterior, que continuaria valendo para definir o montante de recursos que receberão, uma queda, por ser este proporcional aos destes agregados econômicos.
Da mesma forma, Temer, em entrevistas, tem repetido que os recursos para a saúde e a educação poderão ser preservados pelo Congresso. Basta a este decidir sobre a transferência de recursos de outras áreas para o seu financiamento. Tem se esquecido, contudo, de explicar que, como o teto é global, corrigido no seu montante pela inflação do ano anterior, sendo, portanto, dado, para tanto será necessário abrir mão de receitas que financiam aquelas áreas, como as da segurança, saneamento, urbanismo, reforma agrária, por exemplo, despojando-as de condições para garantir a oferta de seus serviços para a população.
Temer toma com naturalidade o prazo de 20 anos para a realização do ajuste proposto, mas chamando a atenção para o fato de que daqui a quatro ou cinco anos outro governante poderá alterar os termos da PEC 241, se considerar que as condições são mais favoráveis. Fala sobre isso, como se 20 ou 5 anos correspondem a apenas 1 dia e não trouxessem consequências para o pais. Neste caso, se assemelha aos economistas que, tomando as condições da época como dadas, projeta-as para o futuro, como se a economia fosse permanecer no mesmo estado atual e, diante deste quadro estático, só interessa contabilizar liquidamente os ganhos que adviriam deste projeto, como se a economia não fosse, em algum momento começar a se recuperar com expansão das receitas.
Esquece-se também de dizer, nessas suposições, que se a economia começar a ter melhor desempenho nos próximos anos e nenhuma outra reforma avançar – a previdenciária, a tributária etc. -, o que não é improvável, cinco anos é um prazo mais do que suficiente para provocar um significativo encolhimento das despesas primárias no orçamento, impedindo que muitos cidadãos tenham acesso aos serviços básicos de responsabilidade do Estado, já precários e insuficientes na atualidade. E ver avançar, em sua estrutura, o peso do pagamento dos benefícios previdenciários e dos encargos da dívida, sendo o limite, para o último, o infinito. Neste caso, o orçamento tenderia a ser reduzido a uma mera peça de administração da previdência, que dele expulsaria as demais políticas para ajustar o teto, mas podendo também ser desalojada para garantir aos donos do dinheiro (os rentistas), o pagamento dos juros da dívida, com o Estado perdendo qualquer importância e legitimidade como entidade essencial do capitalismo para garantir minimamente a coesão social.
Seduzido pelo pensamento ortodoxo, o presidente Temer, em tom professoral, anda reafirmando que o Brasil começou a “entrar nos trilhos” e de ser, agora, apenas uma questão de tempo, a retomada do crescimento econômico, com a melhoria gradativa das contas primárias que permitirão dar início à redução dos juros. Nem de longe lhe passa pela mente que apenas repete, como mantra, a ladainha da ortodoxia, e que não há ajuste possível com uma recessão, que derruba as receitas, nem investimentos sem demanda, que se encontra prostrada, e menos ainda redução da relação dívida/PIB com despesas com juros que consomem cerca de R$ 500 bilhões, ou algo em torno de 8% do PIB.
Provavelmente, quando despertar para essas questões e chegar à conclusão de que não se restringe ao resultado primário a variável que guia as decisões dos empresários que efetivamente investem no setor produtivo, embora isso possa valer para o mercado financeiro, mas a confiança que depositam no país e no futuro da economia, sendo necessária, para isso, uma série de reformas, inclusive a do sistema de tributação, bem como a criação de condições favoráveis para a redução do custo-Brasil, para que os investimentos voltem a fluir, poderá ser um pouco tarde. E que, com a economia continuando “fora dos trilhos”, mais alguns bons estragos já terão sido provocados em seu tecido econômico e social.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colaborador do Brasil Debate e Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Economia e Política das Finanças Públicas no Brasil: um guia de leitura”.
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