Por Patricia Machado Bueno Fernandes*
O noticiário nos traz com frequência manifestações de resistências às autorizações para reproduzir e comercializar produtos de origem vegetal cujas plantas foram geneticamente modificadas (PGM). Aqui no Brasil o órgão responsável por tal autorização é a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, portanto, o alvo principal dos protestos.
A tecnologia atualmente mais utilizada para gerar PGM é a transgenia, que consiste na inserção de um gene de um organismo em outro de uma outra espécie não compatível sexualmente. Como exemplo podemos citar a planta resistente a insetos. A bactéria Bacillus thuringiensis (BT) quando esporula produz uma proteína altamente tóxica a lagartas da ordem dos lepidópteros. Esta bactéria é amplamente utilizada no controle biológico de pragas. Desta forma, o gene desta bactéria que codifica para a proteína tóxica a lepidópteros foi inserido em plantas e estas passaram a ter a característica de produzir a toxina. Apesar de passarem por exaustivas análises de riscos antes de serem aprovadas para liberação comercial, existe uma resistência por parte da sociedade em relação a estes alimentos.
Todavia há um esforço permanente para desenvolver diversas estratégias de engenharia genética visando reduzir conflitos e, ao mesmo tempo, ampliar a aceitação pública para o cultivo e consumo de plantas geneticamente modificadas (PGM).
Neste sentido, uma linha que tem sido seguida é da Intragenesis, uma abordagem biotecnológica para gerar um novo tipo de PGM, uma planta intragênica. Neste caso não há a inserção de um gene de um outro organismo não compatível e, portanto, não há a introdução de uma característica nova, mas sim o melhoramento de uma característica já existente no organismo.
Normalmente, para a intragenesis utiliza-se um gene quimérico (proveniente de uma construção artificial com partes de DNA de diferentes procedências) resultante de uma combinação de uma sequência de codificação parcial ou completa com sequências promotoras e terminadoras originado a partir da mesma espécie ou de espécies compatíveis sexualmente, gerando a mesma proteína mas de forma constitutiva ou apenas em maior concentração na célula do organismo. De forma contrária, a sequência de codificação de DNA (um gene ou parte de um gene) pode ser colocada de uma forma anti-sentido ou com uma orientação sentido-anti-sentido para suprimir a expressão de um gene endógeno. Nestes casos, ocorrerá a introdução ou substituição de um gene já existente naquela planta, passando esta a produzir mais ou menos a proteína em questão ou mesmo a proteína com atividade alterada.
Entretanto, as construções genéticas, mesmo no caso da intragenesis, possuem um marcador molecular para que se possa selecionar a planta modificada geneticamente.
A planta gerada através intragenesis pode ser mais aceitável para a opinião pública do que as plantas transgênicas geradas por métodos convencionais. Na verdade, algumas plantas de importantes culturas agronômicas que contêm apenas os genes da mesma espécie ou de espécies aparentadas receberam apoio maior na Europa do que plantas transgênicas. No entanto, algumas etapas neste processo de melhoramento genético de plantas ainda precisam ser resolvidas. Uma das etapas mais difíceis de cumprir no sistema de intragenesis é a remoção de genes marcadores e repórter. Geralmente, genes marcadores e repórter não são necessários uma vez que as plantas transgênicas são regeneradas e as análises genéticas são concluídas, e passa-se a etapas para eliminá-los na geração seguinte, o que pode ser difícil e diminuir a eficiência do processo.
Em 2015 a ferramenta de edição gênica CRISPR-Cas9 foi selecionada pela revista científica Science como a descoberta do ano. O sistema CRISPR-Cas de inserção ou a deleção de genes alvo em regiões específicas do genoma tem sido explorado para a modificação genética de vários organismos, de microorganismos animais e plantas. Esta tecnologia permite a edição do genoma sem integração de genes marcadores e repórter ou possibilita eliminar facilmente estes genes durante a segregação da próxima geração, o que têm rendido resultados encorajadores em diversas culturas vegetais.
CRISPR (do inglês “clustered, regularly interspaced short palindromic repeats”, repetições palindrômicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas) é um sistema imune adaptativo de bactérias que cliva DNA exógeno, como por exemplo de vírus invasores (em bactérias são chamados de fagos), baseado na complementaridade de sequência gênica. O sistema CRISPR consiste de sequências repetidas de código genético, interrompidas por sequências espaçadoras, que são remanescentes do código genético dos vírus invasores.
O sistema serve como uma memória genética que ajuda a célula detectar e destruir estes fagos quando eles retornam.
O sistema CRISPR-Cas9 de edição gênica contém um gene Cas9 que codifica para uma nucleasse dependente de RNA. O pequeno RNA codificado a partir de CRISPR, denominado sgRNA, reconhece 20 nucleotídeos do DNA alvo seguido por um motivo adjacente protoespaçador (PAM, sequência palindrômica). Subsequentemente, Cas9 leva a separação e quebra das cadeias de DNA daquela sequência específica, que é reparada principalmente pela união de extremidades não-homólogas de DNA (NHEJ). Durante NHEJ, podem ocorrer inserções ou deleções, o que pode alterar o padrão de leitura da proteína ou introdução de um codon de parada de leitura prematura. Assim, este sistema pode ser aplicado para a engenharia genética de uma sequência-alvo para a deleção do gene endógeno, a inserção de um gene exógeno, a substituição de um aminoácido, entre outros. A tecnologia CRISPR-Cas tem sido aplicada com sucesso em plantas modelo, tais como Arabidopsis e tabaco, e em culturas como o trigo, milho e arroz, sendo a maior parte destes estudos destinados a modificar os genes codificadores de proteínas.
O sistema imunológico bacteriano transformado em ferramenta genética está mudando o mundo da biologia molecular a uma velocidade vertiginosa, e não há como negar que irá mudar o nosso mundo. A principal mudança que CRISPR-Cas9 trouxe para o mundo da engenharia genética foi tornar a modificação genética dos organismos mais fácil e mais barata, sendo, então, chamada de "a democratização da engenharia genética".
A tecnologia baseada em CRISPR-Cas9 contorna a baixa eficiência e o uso de protocolos complicados das tecnologias anteriores de modificação de DNA e, como resultado, diminui o limiar para a realização de modificações e produção de novas variedades de plantas melhoradas geneticamente. Mais ainda, a tecnologia do CRISPR-Cas9 deve revolucionar os processos de regulamentação de organismo geneticamente modificado (OGM). Um novo OGM é definido pela presença de DNA estranho, e ele deve seguir normas rígidas de regulamentação. CRISPR-Cas9 pode, no entanto, modificar o código genético sem deixar qualquer DNA estranho; ao fazer isso, ele pode evitar o labirinto das regulamentações em torno OGM.
Neste sentido, em abril de 2016 a revista Nature Biotechnology trouxe um conjunto de matérias que levam a uma reflexão do processo regulatório de OGM frente às novas tecnologias de edição gênica, principalmente CRISPR-Cas9.
*Professora do PG-Biotecnologia da UFES e Membro da CTNBio
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