Predominava, até há pouco tempo, a opinião de que equacionada a dívida dos estados com a União, a situação fiscal dos que se encontravam em condição mais crítica, notadamente os estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Alagoas, estaria resolvida. Tal fato se traduziria em um “alívio” considerável para os seus cofres e a abertura de maior espaço no orçamento para a destinação de maiores recursos para políticas sociais mais nobres, essenciais para a população. O Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), recentemente divulgado, com dados atualizados até maio deste ano, revela, contudo, que não será bem assim e que o desequilíbrio de suas finanças vai bem além dos encargos financeiros que têm a pagar sobre suas dívidas.
A vantagem dos dados elaborados pela STN é que eles desconsideram a maquiagem feita pelos estados, especialmente em relação aos gastos com pessoal, para escapar das punições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Assim, manobras por eles realizadas, e muitas vezes com o aval dos tribunais de contas estaduais, como as de exclusão de funcionários terceirizados da folha de pagamento, contabilização do salário líquido, deduzindo-se o imposto de renda sobre ele cobrado, omissão dos repasses do Tesouro estadual para cobrir benefícios previdenciários, são devidamente desconsideradas neste levantamento. Tem-se, assim, um quadro bem mais realista de sua situação financeira. O que chama mais a atenção no Boletim é o crescente comprometimento exatamente das despesas com pessoal em relação às receitas correntes líquidas dos estados em pior situação.
De sua leitura, percebe-se que, de uma maneira geral, a crise econômica em que o país mergulhou no segundo semestre de 2014, derrubou, em termos reais, suas receitas, mas isso não foi motivo para estancar o crescimento de suas despesas primárias, que continuaram em expansão, em especial as despesas com pessoal. Pelos critérios da STN, no final de 2015, nove unidades da federação ultrapassaram o teto de 60% desses gastos previsto na LRF, como os do Mato Grosso do Sul (73,5%), Rio Grande do Sul (70,6%), Distrito Federal (64,7%), Goiás (63,8%), entre outros. Minas Gerais se destaca, neste grupo, por apresentar o percentual mais elevado de comprometimento das receitas com essas despesas, 78%, quando, pela contabilidade oficial de seus registros, elas não ultrapassam 58%.
O comprometimento de 78% das receitas com pessoal impossibilita o governo de implementar qualquer nova política de interesse da população ou que figure entre as suas prioridades, por absoluta falta de recursos para investimentos ou para cobrir despesas de custeio a eles subjacentes. Tal situação em Minas Gerais só ocorreu, nos últimos tempos, no início do governo Itamar Franco, em 1999, que assumiu após a política de terra arrasada no campo financeiro implementada por seu antecessor, Eduardo Azeredo. Para se ter uma ideia da grave situação em que se encontra o estado, nessa questão, basta comparar este indicador com o do governo do estado do Espírito Santo, que aparece, no Boletim, entre os que apresentam uma boa gestão fiscal, com apenas 52,3% de comprometimento da receita com a folha de pagamento do funcionalismo público.
No caso do endividamento, á exceção do Rio Grande do Sul, que ainda permanece com uma relação Dívida Consolidada Líquida/Receita Corrente Líquida (DCL/RCL) acima de 200%, a situação de Minas Gerais também é preocupante. No final de 2015, essa relação para o estado era de 199%, com uma dívida financeira de R$ 104 bilhões, sendo R$ 15 bilhões referentes à dívida externa. Como o governo do estado projeta que deverá incorrer em um déficit de R$ 9 bilhões em 2016, pode-se esperar que o limite de 200% previsto na LRF será ultrapassado ainda este ano. Para que isso ocorra, qualquer maior desvalorização do câmbio poderá, também, antecipar este desastre anunciado, dada a dimensão da dívida externa. Fazendo novamente a comparação com o governo do Espírito Santo, essa relação se situou, de acordo com este Boletim, em tranquilos 31%.
Para alguns estados, como os do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais, entre outros, o maior problema de seu desequilíbrio não reside apenas na dívida com a União, argumento que até pouco tempo era apontado como causa de sua situação: é fruto também de uma gestão totalmente descomprometida com uma melhor administração das despesas primárias, em especial com as despesas com pessoal.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma Política Social, colaborador do Brasil Debates e Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Economia e Política das Finanças Públicas: um guia de leitura”.
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