Por Guilherme Henrique Pereira*
Existe já um número muito grande de artigos e comentários publicados sobre a emenda do controle dos gastos, para ver isso basta uma passagem por jornais de grande e pequeno porte, redes sociais e revistas em papel e virtuais, afora os comentários em noticiários falados. Tarefa quase impossível contar quantos contra e quantos a favor. E parece que os economistas chapa branca de dentro e de fora do governo não conseguirão convencer que a medida alcançará a promessa realizada. De todo modo, não é necessário ter número precisos de quantos são, porque a conclusão é imediata: faz tempo que não passamos por proposta tão polêmica.
Com o texto aprovado na Câmara torna-se possível fazer uma leitura mais detalhada do que vem por aí, se o Senado não alterar nada. Caso contrário, o texto voltará a Câmara e sairá da lista de aprovações em 2016.
A ideia básica da proposta era limitar as despesas de uma ano a um teto dado pelo valor realizado no exercício anterior corrigido pela inflação. A justificativa do discurso oficial é de que assim não haveria crescimento real dos gastos, portanto todo aumento acima da inflação nas receitas seriam dedicados a reduzir o déficit. Aumentos de serviços para atender o crescimento da população só poderá ocorrer, dentro dos próximos 20 anos, mediante aumento da produtividade, maior eficiência dos serviços. Se fosse de fato assim, as resistências à medida perderiam força.
No entanto, as exceções foram aparecendo e o texto final está repleto delas. A primeira a destacar diz respeito à exclusão do limite das despesas financeiras, deixando o controle apenas para as despesas primárias. Como mostram vários artigos (inclusive aqui em Debate em Rede, veja p.ex. “A PEC 241 entregará o prometido?”) o maior problemas está no alto volume das despesas com pagamento de juros, logo, aplicar o controle apenas para as despesas não financeiras, menor parcela, por um lado escancara a preocupação do governo em agradar ao sistema financeiro e, por outro lado, introduz a dúvida de que não se conseguirá o equilíbrio fiscal, posto que a maior parte ficará ao sabor do mercado.
A segunda exceção apareceu na fixação do cronograma de aplicação da medida. Ficou na verdade para 2018. Em 2017 a emenda aprovada já fixou que será aplicado o índice de 7,2%. A regra geral estabelece que deveria ser aplicada a inflação “para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.” O valor fechado para esse período (junho 2016/julho 2015) é de 8,8%. À primeira vista o 7,2% representa um teto menor. No entanto, a definição do valor base é o seguinte: “despesa primária paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar e demais operações que afetam o resultado primário”. Esse resto a pagar poderá trazer parcelas até de 2015. O que está ocorrendo em 2016? Um crescimento significativo dos gastos, concessões de benefícios para algumas categorias, tudo levando a indicar que o déficit será maior do que os R$ 160 milhões da meta estabelecia. Na prática, isso significa que 7,2% de acréscimo à despesa realizada em 2016, mais os restos a pagar (aquilo que não teve financeiro ou tempo para efetivar o pagamento dentro do exercício), poderá ser maior do que 8,8% aplicado ao montante realizado em 2016.
Também ficou fixado que os limites serão calculados de forma individualizada, Poder Executivo, Poder Legislativo, Judiciário (diferentes instâncias), Ministério Público e Defensoria Pública. Como o gasto deste ano, considerando o resto a pagar, fixará o limite para os anos seguintes, pode-se imaginar já o tamanho do déficit que será registrado em 2016. Esta definição de cálculo individualizado e a inclusão do resto a pagar foram outras flexibilizações da medida que ajudam a comprometer a credibilidade da medida.
Para 2018 e anos seguintes o teto será dado pelo “valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preço ao Consumido Amplo – IPCA.......para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a Lei orçamentária.” Para 2017 as projeções apontam para um IPCA de 5%, mas o percentual a ser aplicado é o que será apurado para 12 meses, correspondentes ao segundo semestre de 2016 e primeiro de 2017. Este percentual poderá ficar em torno de 6,5 %. Além disso, o teto para 2018 poderá ser ainda generoso, porque parte de um valor – o limite de 2017 – que tudo indica será bastante folgado. Não parece permitir dizer que haverá de fato controle apertado do gasto.
Já pode ser notado, que no período de mandato do atual presidente dificilmente veremos algum tipo de redução do déficit. O crescimento da receita em 2016 não permite otimismo, já que há previsão de queda do PIB em 3,2% e inflação na casa de 7%, donde se deve esperar crescimento nominal da receita da ordem de 3,6%, a menos que haja retiradas de renúncias fiscais ou outras medidas de aumento das receitas; para 2017, previsão de inflação de 5% e crescimento do PIB de 1,2% , portanto, expansão das receitas de 6,3%, enquanto o gasto já tem limite definido de 7,2%. Percentagens que já denunciam continuidade de crescimento do déficit em 2017.
Outra flexibilização perigosa é o fato de que nos próximos 3 exercícios poderá haver compensação pelo o Poder Executivo, caso um dos outros poderes ultrapasse o limite. Se o Legislativo ou Judiciário gastar mais, será reduzido o limite do Executivo para que o teto global não seja ultrapassado. Ainda que a compensação esteja fixada em 0,25% do limite do Executivo, trata-se de uma exceção desnecessária. Apenas mostra como um governo do PMDB gerencia a política de atração de aliados que poderão atrapalhar seus objetivos.
Entre as muitas dúvidas suscitadas pelo texto final, cabe destacar também, uma redação bastante imprecisa: “...o pagamento do resto a pagar inscritos até 31 de Dezembro de 2015, poderá ser excluído da verificação do cumprimento dos limites....”. A interpretação que este dispositivo permite é a seguinte: se o teto para 2017 ficar aquém da nossa gastança, aumente o limite incluindo na projeção o déficit de caixa de 2015.
Para 2017, Educação e saúde ficaram fora da regra nova. Nesse exercício será aplicada a regra constitucional, isto é 18% da receita de impostos para educação e 15% para a saúde. Vendido pelo marketing oficial como uma forma de garantir mais recurso para a área social, na verdade, será o argumento mais falso de todo o texto, se as previsões atuais se realizarem. Aqueles percentuais se aplicariam sobre a receita de impostos que deve crescer em cerca de 6,3% como já mostrado anteriormente. Enquanto a inclusão na regra geral permitiria um aumento de 7,2%. Hipótese que anteriormente foi levantada pelo Professor Fabrício Augusto de Oliveira em seu artigo. Lamentavelmente, a conclusão é de que educação e saúde são os únicos setores com redução de recursos em 2017 mais claramente definida. Uma armadilha que os economistas oficiais espertamente impuseram aos deputados da oposição.
O que acontecerá com os que descumprirem as regras? Nenhuma penalidade ou expressão especificando que isso poderá ser crime. Apenas passará a vigorar uma série de restrições, quase todas relacionadas com redução em termos reais dos salários dos servidores públicos, eleitos para pagar a conta. Ainda poderão aplicadas aquelas autorizações de aumento já aprovadas com escalonamento para os próximos anos. Contudo, poderá ser preservado o valor real do salário mínimo.
O enunciado tão divulgado pela imprensa comercial é uma coisa. Mas, a análise do texto aprovado na Câmara leva a outras conclusões. Em resumo, difícil ter expectativa que alguém continuará a favor, depois de ler com atenção as diversas armadilhas cuidadosamente espalhadas pelo texto. Exclui-se, é claro, aqueles que concordam com a esperteza dos economistas oficiais que deixaram para após 2018 eventual limite arrochado de gastos.
* Economista, Professor, Doutor em Ciências Econômicas.
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