Devidos a Recessão e não ao Dinamismo Comercial
Daniel P. Sampaio*
Tem-se discutido um processo de reprimarização da pauta exportadora brasileira, que significa, de forma breve, um aumento da participação de commodities agrícolas e minerais, geralmente de baixo valor adicionado no total das exportações brasileiras. A expansão da demanda internacional por bens primários, sobretudo pela China, e a falta de competitividade de setores da indústria brasileira, dada a desindustrialização precoce, são elementos determinantes para a configuração deste quadro de mudança na composição setorial das exportações desde a década de 1990.
É na balança comercial que se registra todas as transações de bens e serviços, ou seja, as importações e exportações, de um determinado país com o resto do mundo, e também com impactos diretos sobre a dinâmica do PIB (Produto Interno Bruto). A análise dos seus saldos, dos fluxos e de sua estrutura revelam, portanto, elementos fundamentais para a compreensão da inserção no comércio internacional.
Na atual conjuntura houve melhora do saldo da balança comercial brasileira no acumulado de janeiro a setembro de 2016, com recorde em relação à série histórica (US$ 36,18 bilhões, valor 252,9% maior que do período imediatamente anterior – Gráfico 1). Neste mesmo período comparativo também ocorreu aumento da participação dos manufaturados (Gráfico 3). Considerando estes aspectos, pode-se indagar em que medida é razoável falar em melhoria da estrutura das exportações da economia brasileira no período analisado? O comércio internacional pode ser um dinamizador do PIB? A manutenção da taxa de câmbio em patamar elevado contribuiu para a melhoria da performance das exportações brasileiras?
Gráfico 1 – Saldo da Balança Comercial brasileira – acumulado de janeiro a setembro – US$ FOB bilhões.
Fonte: MDIC. Elaboração própria.
Responder a essas perguntas exige análises que vão além da conjuntura. O resultado recorde da Balança comercial na atualidade poderia ser interpretado como um dado positivo e capaz de dinamizar o PIB brasileiro. Porém, tanto as exportações (-3,55%) quanto as importações (-23,14%) tiveram queda no acumulado de janeiro a setembro de 2016 em relação ao mesmo período de 2015 (Gráfico 2). Assim, o saldo elevou-se em virtude de uma redução global dos fluxos em dólares, sobretudo nas importações. Observa-se que no acumulado de janeiro a setembro dos últimos 5 anos (2012-2016) as exportações reduziram-se em média 6,0% ao ano (a.a.) e as importações em 9,2% a. a.
Gráfico 2 – Taxa de crescimento das exportações e das importações brasileiras em relação ao período imediatamente anterior – acumulado US$ FOB de janeiro a setembro – em %
Conforme anteriormente demonstrado, as taxas de variação predominantemente negativas dos componentes da balança comercial revelam um caráter espúrio da melhoria recente do saldo comercial brasileiro. Trata-se de uma primeira comparação temporal entre os distintos movimentos de fluxos e saldos. Uma segunda trata especificamente da estrutura das exportações. O Gráfico 3 apresenta os dados por fator agregado e aponta para uma retomada da participação de manufaturados, ainda que de forma tímida.
Gráfico 3 – Estrutura das exportações brasileiras por fator agregado – acumulado de janeiro a setembro – em US$ FOB bilhões
No acumulado de janeiro a setembro, observa-se crescimento da participação dos produtos básicos desde os anos 2000. Eles superam os manufaturados no total das exportações brasileiras em 2010, alcançando máximo em 2014 (51,5%) e fechando a série, em 2016, com 45,5%. Os manufaturados, por sua vez, tiveram menor participação em 2014 (35,8%). Em 2015 e 2016 eles retomaram crescimento na composição das exportações brasileiras, com resultados de 38,1% e 39,3%, respectivamente. De acordo com o Gráfico 4, nos últimos cinco anos observou-se uma redução média anual de 7,4% nos básicos, 4,7% nos manufaturados e de 5,2% nos semimanufaturados
Gráfico 4 – Estrutura das exportações brasileiras por fator agregado em relação ao mesmo período do ano imediatamente anterior – acumulado US$ FOB de janeiro a setembro – em %
É possível observar no Gráfico 4 que em houve uma queda generalizada das exportações nos últimos cinco anos em todos os grupos, fato que reforça a tese de que a melhoria do perfil exportador brasileiro se deu de forma espúria, haja vista que o valor de exportação dos manufaturados diminuiu menos do que os básicos. As exceções às quedas foram, em 2014, nos básicos (1,7%) e, em 2016, nos semimanufaturados (5,1%). Além do crescimento nos semimanufaturados em 2016 observa-se uma leve redução dos manufaturados em 0,3% e queda de 8,1% dos básicos em relação ao mesmo período de 2015.
No entanto, cabe perguntar: as reduções das exportações brasileiras em dólares foram afetadas por variações médias nos preços, nas quantidades ou em ambos? O Gráfico 5 mostra que as variações no acumulado de janeiro a setembro de 2016, comparado com o mesmo período do ano anterior, aponta que as quantidades exportadas aumentaram ao passo que os preços em dólares diminuíram.
Gráfico 5 – Variação nos preços e quantidades das exportações brasileiras por fator agregado – acumulado de janeiro a setembro de 2016 comparado com o mesmo período de 2015 – em %
Em termos gerais, as exportações brasileiras aumentaram 6,7% em quantidades e – 9,6% em preço. Comparativamente, as quantidades dos bens manufaturados cresceram 6,4% e a dos básicos 5,9%. Contudo os preços dos bens manufaturados reduziram-se em – 6,3% e a dos básicos – 13,3%. Estes dados demonstram, portanto, que a dinâmica das exportações brasileiras, que depende da renda externa, está mais ligada à redução do nível de preços do que das quantidades exportadas, fato que aponta para a necessidade de um maior esforço para se manter o valor recebido do exterior em US$.
O excepcional saldo comercial brasileiro obtido segundo as últimas informações parece estar, portanto, mais relacionado à depressão interna e ao fim do ciclo de alta dos preços das commodities agrícolas e mineiras, fato diretamente ligado à crise estrutural do capital. A manutenção da taxa de câmbio em patamar elevado contribuiu para o aumento das quantidades exportadas e também para compensar, em moeda nacional, a rentabilidade interna. Conclui-se, desta forma, que não são vistos sinais de que o Brasil apresentou uma inserção externa dinâmica no comércio internacional.
* Economista e professor do Departamento de Economia da UFES. Doutor em Ciências Econômicas.