Passada a euforia inicial após ser guindado ao posto de presidente da República, confiante de que a mera troca de guarda seria suficiente para substituir o inferno da recessão da então presidente Dilma Rousseff pelo paraíso do crescimento, o governo Temer começa a perder o otimismo demonstrado e a reduzir as expectativas de desempenho da economia brasileira em 2017.
Depois de trabalhar com uma meta de expansão do PIB de 1,6% para este ano, mesmo sem ter movido, até o momento, qualquer peça mais importante para viabilizá-la, a não ser o projeto de emenda constitucional que limita os gastos primários, o ministro Henrique Meirelles anunciou, no dia 10 de novembro, um recuo da meta para 1%, enquanto o FMI continua projetando um crescimento de 0,5%, condicionando-o, entretanto, à realização de reformas que vão muito além da contenção destes gastos. Como o ano ainda nem começou, e são várias as nuvens que passeiam tanto no cenário internacional quanto no nacional, não será nenhuma surpresa se essa meta continuar progressivamente sendo reduzida.
No front externo, embora a economia mundial tenha começado a emitir alguns sinais de vida com a recuperação um pouco mais consistente dos Estados Unidos, ainda não se pode contar com ventos mais fortes de outras partes do mundo, notadamente da zona do euro, para impulsionar a economia brasileira.
Mesmo a melhoria conhecida pela economia norte-americana pode ser prejudicada por previsíveis turbulências provocadas nos mercados mundiais, sejam pela incógnita que continua representando a eleição de Donald Trump para presidente do país, seja pelo aumento previsto de elevação de sua taxa de juros em dezembro, o que deve afetar principalmente as economias emergentes, com uma eventual fuga de capitais.
Internamente, a política econômica se encontra praticamente paralisada, à espera da conclusão do ajuste primário das contas públicas, como se os problemas do país estivessem reduzidos a essa questão, a qual, ao contrário do pretendido pela ortodoxia, corre o risco de nem se mostrar bem-sucedida e, mesmo que isso ocorra, de gerar os frutos do crescimento econômico que têm sido vendidos para a população pelas autoridades econômicas. Explicam-se as razões.
De um lado, o corte dos gastos primários, tal como proposto, contribui para manter desaquecida a demanda agregada, minando ainda mais as forças do crescimento e, consequentemente, as receitas públicas, principal causa, embora não única, deste desequilíbrio. Não se conhece, no mundo, ajustes dessa natureza que tenham sido bem sucedidos, dado o seu poder de destruição dos tecidos econômico e social. E, mais grave: caso não seja combinado com uma reforma previdenciária decente do ponto de vista social, que contribua para mitigar o seu déficit, reforma que tem sido procrastinada pelo governo por não ser fácil sua realização por se tratar de uma área politicamente sensível, corre-se o risco de o orçamento se transformar gradativamente em um orçamento de administração de benefícios previdenciários, com o Estado se tornando crescentemente incapaz de prover outras políticas públicas para a população, perdendo sua legitimidade política.
De outro lado, mesmo que bem sucedido na questão do ajuste primário, isso não representa nenhuma garantia de que os investimentos produtivos retornarão à economia brasileira. Se este ajuste é importante principalmente para o capital financeiro recuperar algum espaço no orçamento, não representa condição suficiente para o empresariado voltar a investir. Para isso, seria preciso contar, em primeiro lugar, com demanda para seus produtos, a qual se encontra desfalecida com a recessão, o desemprego, a queda do nível de renda da população trabalhadora e o aumento do endividamento. Em segundo, porque o investidor precisa ter confiança de que o capital aplicado vai lhe propiciar retorno e de que terá condições de concorrer no mercado com seus produtos, o que pressupõe políticas econômicas consistentes e custos de produção competitivos, entre outros fatores. Em terceiro, com um ambiente externo menos hostil, principalmente para o caso dos setores exportadores. São condições que inexistem atualmente para o Brasil e que, para serem criadas, demandam bem mais reformas do que o mero ajuste fiscal primário atualmente proposto pelo governo.
O reequilíbrio das contas primárias não soluciona também o desequilíbrio global por que não enfrenta a sua principal causa: as contas financeiras, as quais, inclusive, estão excluídas do teto dos gastos da PEC 241/55. De acordo com os dados da Secretaria do Tesouro Nacional fechados em setembro, o déficit nominal do setor público consolidado foi de 9,42% do PIB, sendo 6,85% referentes às despesas com juros, ou algo próximo a 70% de seu total. Como o governo continua insistindo em manter desnecessariamente elevadas as taxas de juros, para alegria do capital financeiro, mesmo que consiga ajustar as contas primárias, a relação dívida bruta/PIB, que já atingiu 70,7%, também em setembro, não terá sua trajetória de crescimento interrompida, podendo caminhar para 80% em 2017. Enquadrado atualmente pelas agências de rating no grupo dos países com grau especulativo, não será apenas pelo desejo e “suposta” competência da política econômica, que os investimentos retornarão com a facilidade que acredita sua equipe tão logo aprovada a PEC dos gastos primários.
Diante deste cenário nada favorável, só agora o governo começa a despertar de sua letargia e a anunciar que começará a preparar a segunda etapa da política econômica focada em reformas microeconômicas no campo da produtividade e da competitividade para fazer a economia voltar a andar. São reformas importantes, mas é muito pouco para o tamanho dos problemas que emperram a retomada do crescimento econômico. Pelo andar da carruagem e da política econômica, continuamos sem poder esperar muito de 2017.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, debatedor do Brasil Debate e Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial, Brasil 1980-2010”
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