Por Aylê –Salassié F. Quintão*
Alimentos, serviços de saúde, economia informal e até mendigos, todos pagam impostos no Brasil, e muito. Quem paga pouco são os ricos. A afirmação é do professor Paulo Dantas da Costa, do Conselho Federal de Economia (Cofecon), para quem, por aqui, o Estado parece que sempre esteve de joelhos para os desonerados, sonegadores, para os mais de quinhentos diferentes modelos de fraudes e centenas de artifícios dos quais o sistema não consegue se livrar. Se a proposta de Temer “é consertar o País”, então deve-se entender que mais cedo do que se espera ele vai desencravar a reforma tributária, há 13 anos em tramitação no Congresso. Sem ela, o Governo terá dificuldades para reduzir os sucessivos déficits orçamentários que atormentarão aqueles que o sucederem e para assegurar novos investimentos.
Somados, os impostos não recolhidos corresponderiam a um montante equivalente ao do orçamento federal. Num único exercício, 2009, a evasão somente na área da economia informal representou 18,4% do PIB (R$ 578 bilhões). Na concepção do Estado Democrático descrito no Preâmbulo da Constituição, os impostos destinam-se a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais numa sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, garantindo e protegendo os cidadãos do desemprego, da fome, da doença, na invalidez, na velhice e até contra a violência. Contudo, quase 40% do imposto é recolhido indiretamente nos produtos e serviços consumidos pela própria população. No exercício de 1995, a arrecadação tributária brasileira era composta de 51% de tributos sobre produtos e apenas 20% sobre o capital, relação que pouco se alterou.
Enquanto isso, explorando o desconhecimento do contribuinte sobre a questão fiscal e tributária, especialistas e a mídia fazem comparações grosseiras sobre o total dos impostos cobrados, tipo o “Brasil é o 14º país do mundo com a maior carga fiscal” ou “Você trabalha 4 meses e meio para pagar impostos”. Com explicações simplórias, estabelece-se um comportamento anômico (indiferente e conformista) com relação ao papel dos tributos. Na realidade, tributos antes de representarem encargos, são uma necessidade para dar consequência a uma política de redistribuição de renda e um privilégio para quem conscientemente pode dar essa contribuição.
A rejeição aos impostos é fomentada ideologicamente pelo liberais, ou criminosamente, sem que alguém a conteste explicitamente. O CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - de acompanhamentos processuais no campo tributário, termina por confundir-se no julgamento dos interesses empresariais, que procuram claramente maximizar apropriação individual de parcelas da renda nacional, pela redução das despesas tributárias. As discussões são, quase sempre, acompanhadas da descaracterização do papel do Estado.
As perdas do Estado/sociedade começam pela ineficiência fiscal e passa pela economia informal, considerada a fonte primária da sonegação. Gera-se uma cadeia de perversidade tributária contra a população nos municípios, nos estados e até em produtos, com renúncias fiscais destinadas a aliviar a carga de impostos sobre uma classe, atividade ou região econômica. Às vezes para beneficiar até os amigos. Ninguém tem interesse em ensinar para que servem os impostos ou lembrar que as distorções no processo de arrecadação ou a omissão no pagamento dos tributos estão tipificadas criminalmente como delitos passiveis de cadeia, porque significam roubar da sociedade.
Nos últimos dias reuniu-se em Brasília, no espaço do Ministério Público Federal, um grupo de tributaristas franceses, canadenses, americanos e brasileiros, sob a coordenação do professor Maurim Falcão, da Universidade Católica, para discutir a Sociologia Fiscal, o Direito e o Humanismo Tributário, temas considerados pouco comuns. A discussão girou em torno do fato de que o “tributo é, acima de tudo, um direito da sociedade”, cujo fim é financiar a superação das carências das classes menos privilegiadas. Portanto, o sucesso de um sujeito ou de uma empresa beneficiada por uma desoneração ou as fraudes cometidas contra a receita tributária penalizaria indiretamente os mais pobres. O tributo pertence à sociedade, e o Estado é o único ente competente para processá-lo e redistribuí-lo, atrelando-o sempre aos efeitos sociais, entre eles o de também estimular o desenvolvimento equânime das regiões, bem como as exportações.
Concordou-se que o sistema tributário no Brasil não transita religiosamente pelas suas concepções técnicas e constitucionais. Estudos comparativos demonstraram que apenas 9,5% dos tributos voltam à sociedade sob a forma de investimento público em educação, saúde, segurança, habitação e saneamento. Parte significativa dos tributos é usada inclusive para financiar o funcionamento da máquina pública, essa mesma que anda fazendo greve para conseguir mais privilégios. Efetivamente, isso não tem relação direta com os compromissos de uma sadia política fiscal. “Consertar o País” passa, portanto, por uma reforma tributária, de maneira a tornar compulsórios dispositivos constitucionais e a restabelecer a moralidade tributária perdida já nos primeiros anos da Republica (1889) e que se arrasta no tempo.
*Jornalista, professor, doutor em Historia Cultural
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!