Por André Ricardo Valle Vasco Pereira*
No dia 22 de novembro, houve um encontro em Brasília do Fórum Permanente de Governadores. Foi seguido por uma reunião deles com Michel Temer e com o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. A narrativa oficial foi a de que ali se fechou um acordo entre o governo federal e os estados pelo ajuste fiscal. Teria sido acertada a fixação de um limite global de despesas, que não poderão crescer acima da inflação. Outro compromisso: a redução de 20% das despesas com cargos comissionados em relação ao valor gasto em 2015. Além dele, a criação de um fundo estadual com a contribuição dos beneficiários de incentivos fiscais que não tenham sido deferidos pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Essa contribuição não poderá ser inferior a 10% do tamanho do incentivo concedido.
Os governadores também teriam se comprometido com a elevação da alíquota de contribuição de seus servidores ativos e inativos para 14%, em projeto de lei federal que deverá tramitar junto com a reforma previdenciária da União, a ser enviada ao Congresso em dezembro. Por fim, teria sido acertada a vedação de aumento de salário para funcionários públicos por dois anos e a criação de novos cargos. Em troca de tudo isso, a União teria se comprometido a repassar parte do que foi obtido em imposto de renda e multas dos recursos repatriados do exterior.
Algum tempo antes, Temer tentou convencer os estados a renegociarem suas dívidas com base em um pacote bem parecido, mas a negociação não avançou. Agora, os governadores apostam numa adesão em massa ao ajuste fiscal.
Vou destacar aqui as observações feitas por dois colunistas do jornal O Globo, também atuantes em outros veículos de imprensa da respectiva rede: Míriam Leitão, em texto que saiu no mesmo dia 22 (http://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/pacto-federal.html) e Carlos Alberto Sardenberg, na edição do dia seguinte (http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2016/11/fazer-tudo-de-novo.html). Este último resgatou o histórico da conversa entre União e Estados sobre as dívidas, a resistência dos governadores, a sua mudança de atitude e a culpa dos governos de Lula e Dilma para o afrouxamento das regras que permitiram o avanço das dívidas. Ele concluiu que os gestores mudaram de opinião apenas por conta da falta de recursos para resolver a situação de suas administrações. Por fim, chamou a atenção para o fato de que os governadores terão que realizar privatizações para obter mais recursos.
Vale a pena comparar esta abordagem com a de Leitão. Ela diz que os governadores já vinham conversando no Fórum e que não trocaram o acordo com a União em troca dos recursos da repatriação, pois eles já haviam obtido decisão judicial favorável neste sentido. A aparência de acordo (e de pressão do governo federal) serve para que os governadores justifiquem a necessidade de medidas duras. Sobre o rol de ações a serem tomadas, não há acordo entre os gestores, de forma que as conversas continuam. No que se refere ao controle de gastos, é necessário que ele seja imposto por cima, mas não há como alterar a PEC 55, pois ela retornaria à Câmara. Então, o jeito é recuperar o projeto de lei de renegociação das dívidas dos estados para tanto. O mesmo vale para a reforma dos sistemas de previdência dos estados, que deve ser inserida em uma nova PEC que a União vai propor para o seu caso, mas acaba abarcando os entes federados.
Leitão e Sardenberg são campeões do neoliberalismo na opinião “publicada”. São sinceros defensores do ajuste fiscal, mas divergiram na análise do tema. Para o segundo, os governadores concordaram com a União quando da negociação das dívidas, mas não mobilizaram suas bancadas no Congresso e se viram obrigados a aceitar o acordo que está sendo fechado. Para Leitão, a atitude dos governadores é mais independente, demonstrando uma verdadeira adesão ao ideário colocado em cena.
A oposição ao governo Temer tem insistido na ideia de que é preciso cobrar de quem tem. Seria o caso das empresas que receberam benefícios absurdos e não os devolveram à Sociedade. No caso em discussão, Meirelles optou por inserir no pacote o tal do fundo estadual que cobrará pelo menos 10% dos incentivos concedidos ilegalmente pelos estados às empresas. Ou seja, ao invés de uma ampla revisão da política de vantagens para o setor produtivo, o capital financeiro e o topo de pirâmide, são tomadas apenas ações seletivas neste campo, deixando o peso para o corte de políticas públicas.
O que deve ser destacado no episódio é a atitude dos governadores. Sua mudança de postura é mais bem explicada por Leitão. Eles estão aderindo a um programa e usando a suposta pressão do governo federal como desculpa. Alguns, porém, como Paulo Hartung, são mais agressivos, assumindo a necessidade de uma mudança. O mesmo serve para os membros do Congresso Nacional, que não só estão de acordo com a PEC 55, como a defendem publicamente. A conversão da elite política ao neoliberalismo é sólida. Ela é apoiada pela grande imprensa e pelos setores conservadores da classe média, contando com o consentimento passivo do resto da população e uma resistência ativa minoritária. O truque retórico demonstrado por Leitão é uma faceta da narrativa que foi construída com muita competência, que preserva os mais ricos e vai sendo, aos poucos, assumida como fala dominante ativa. Neste sentido, o Espírito Santo está dando sua contribuição, tanto com a intervenção política de Hartung quanto com o discurso técnico de Ana Paula Vescovi. Desta forma, está sendo elaborada a imitação estadual da PEC 55.
* Graduado em História, Professor do Departamento História/UFES, Doutor em Ciência Política.
Nota da Redação: figura da ilustração obtida na rede social
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