André Ricardo Valle Vasco Pereira*
O que se elaborou no Brasil, a partir de 2013, foi uma aliança entre o conservadorismo da direita evangélica e o neoliberalismo, ampliado para movimentos sociais por meio de organizações de jovens, como o Estudantes Pela Liberdade, que deu origem ao Movimento Brasil Livre, e pela militância online. Este projeto não tem apoio de maioria, tanto que não obteve a vitória em 2014. Ele precisou das acusações de corrupção, já naquela época, para desgastar o governo social-democrata do PT, e a cobertura massiva da grande mídia. A seguir, em 2015, o PMDB se converteu a este credo, por meio do programa Ponte para o Futuro. Em 2016, a aliança venceu as eleições para prefeitura em São Paulo e no Rio de Janeiro, com as especificidades locais. João Dória é a imagem vencedora do neoliberalismo empertigado e Crivella é uma dos principais nomes da Igreja Universal do Reino de Deus.
Desde o início do segundo mandato de Dilma Roussef (PT), deu-se um processo de autonomização das lideranças partidárias no Congresso Nacional. Desta forma, não só o governo passou a apresentar propostas coerentes com o citado projeto, como parlamentares tiveram iniciativas legais recuperadas ou sugeridas na mesma linha. Isto é o contrário do que concluíram os estudiosos do presidencialismo de coalizão, que elaboraram muitas análises demonstrando a enorme prevalência do Executivo sobre o Legislativo no Brasil, mas em cenários que nem sempre levaram em conta o que eu chamei, na minha tese de doutorado, de agenda pesada, e em circunstâncias nas quais se mostra possível agregar interesses a partir da Sociedade. Ao considerar dois mandatos de governadores no Rio Grande do Sul, estado no qual a institucionalização dos partidos é bem mais alta que em outros lugares do país, demonstrei que, nestas circunstâncias, o Executivo tem mais dificuldades para formar maiorias e pode mesmo ver a oposição impor suas preferências no Legislativo.
A constituição de um projeto alternativo de Nação àquele que o PT vinha desenvolvendo se deu por meio de uma aliança, citada acima, que dependeu de uma série de circunstâncias favoráveis, iniciadas em 2013. Neste sentido, trata-se de algo bem menos institucionalizado que a política gaúcha. É um encontro de interesses, que cresceu diante da coincidência entre o duríssimo pacote do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com o montante de escândalos da Operação Lava Jato, no início de 2015.
As medidas de Levy se encaixam no que eu conceituo como agenda pesada, ou seja, propostas que alteram o status quo, gerando oportunidades estratégicas para os que insatisfeitos rompam com o governo, sinalizando para a Sociedade seu posicionamento, ou cobrem mais alto pelo seu apoio. Já os escândalos, junto com a rápida piora da situação econômica, criaram condições não só para o fortalecimento da oposição, mas para que o governo, de fato, perdesse o controle da agenda legislativa. Desta forma, o governo Roussef permitiu que se instalasse uma dinâmica que continua presente hoje: mesmo que o Executivo não inicie matérias da aliança, elas conseguem tramitar a partir da pressão dos lobbies e lideranças partidárias, pois se trata de uma vitória no campo da opinião pública ou publicada, como dizem alguns, e não da maioria.
Várias matérias, principalmente no campo da Reforma Trabalhista, estão sendo preparadas para votações relâmpago. Tanto os deputados Eduardo Cunha quanto Rodrigo Maia, no exercício da Presidência da Câmara dos Deputados, e Renan Calheiros, na direção do Senado e do Congresso Nacional, desenvolveram o hábito de chamar sessões extraordinárias e colocar em votação tais propostas, que vão passando sem dificuldade. Neste “saco de maldades”, há várias ideias sendo discutidas. Elas ficam ali como um reservatório e podem ser sacadas conforme as circunstâncias.
O governo Temer é altamente instável e tem pouco tempo de vida, seja pelos problemas internos, seja pela impossibilidade de reeleição em 2018. Vários de seus membros estão sendo expostos em escândalos de corrupção, o que os compromete agora e nas eleições futuras. Desta forma, enquanto discutimos alguns temas de maior relevância pública, como a PEC 241/55, vão sendo gestadas soluções adequadas para o conflito entre as elites. Neste sentido, um dos pacotes que está sendo discutido é o da “Reforma Política”. Ele inclui uma série de sugestões, entre as quais a criação do Parlamentarismo ou de um Semi-Presidencialismo.
Durante a agonia do governo Roussef, a ideia foi lançada. Agora, com a divulgação de um cheque para Temer durante a campanha de 2014, que pode levar à cassação da chapa eleita, soluções vão sendo buscadas. Uma delas é a da eleição indireta, pelo Congresso, caso a perda de mandato se dê após 1 de janeiro de 2017. Fala-se em dois nomes para a Presidência: Fernando Henrique Cardoso e Nelson Jobim. O grande problema para os dois é a negociação deste acordo, pois muitos dos grandes caciques estão com “o nome sujo na praça”. Não se trata apenas de colocar FHC ou Jobim, mas de negociar espaços e controlar a exposição do governo, o que Temer não consegue fazer.
Para tanto, soluções que reduzam o número de partidos, levando a uma aglutinação das elites dirigentes, seguida do parlamentarismo, podem forçar a institucionalização, por cima, da aliança, com grande apoio da opinião pública. O que dificulta tal saída é a enorme dispersão de lideranças. Já o que pode diminuir o custo de decisão entre elas é justamente o desgaste do governo Temer, sua possível queda desastrosa por decisão legal e o crescimento da oposição popular.
Quem viver, verá.
*Graduado em História, Professor do Departamento História/UFES, Doutor em Ciência Política.
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