Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Há dois anos, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, prometia, em sua campanha política, entregar o paraíso para os mineiros, ampliar as políticas públicas para a população e atender as demandas salariais das áreas que considerava mais importantes para a sociedade, como as da educação, saúde e segurança. Na última semana, Pimentel encaminhou para aprovação da Assembleia Legislativa um decreto em que declara “estado de calamidade financeira” do estado, por absoluta falta de recursos para honrar seus compromissos, inclusive para manter em dia o pagamento dos salários do funcionalismo e para quitar o seu décimo terceiro. Segue, assim os mesmos passos que foram dados pelos estados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, esperando contar om o “socorro” do governo federal e, ao mesmo tempo, se proteger das punições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em caso de descumprimento de seus indicadores com a aprovação deste decreto.
Pimentel tem razão, em parte, em atribuir a causa da crise financeira em que o estado se encontra à recessão que se abateu sobre o país desde 2014, derrubando as receitas públicas de modo geral. Mas, o fato é que, àquela altura, era evidente que a situação pré-falimentar do estado, associada à crise econômica que já batia às portas, indicava um período de maiores dificuldades, exigindo prudência e maior comprometimento dos governantes com uma gestão financeira mais responsável, promovendo ajustes em suas contas. Não foi o que fez. Não só expandiu consideravelmente o número de secretarias e órgãos do governo para acomodar parceiros políticos com gordos jetons, como não teve como deixar de atender promessas de campanhas de reajustes salariais para algumas categorias de servidores, como se o governo fosse produtor de riquezas ilimitadas. Com isso, o peso da folha de salários do funcionalismo avançou para algo próximo a 80% da receita corrente líquida (RCL), com o estado sendo conduzido a uma situação de asfixia financeira, da qual agora tenta se livrar (ou amenizar) com o decreto de “emergência” financeira.
A verdade é que, de modo geral, são muito poucos os governantes que têm alguma preocupação com a questão da disciplina fiscal, porque raciocinam que conseguirão transferir o problema para seus sucessores, ou que serão socorridos, em última instância, pelo governo federal, em virtude do tipo de federalismo que existe no país, em que efetivamente quem dá as cartas é o governo central. Apenas em alguns momentos da história mais recente do Brasil estes se viram obrigados, diante de um quadro financeiro desesperador, a acenar com maior compromisso com essa questão: por ocasião da renegociação da dívida com a União, na década de 1990, quando, aparentemente concordaram em realizar um ajuste fiscal estrutural; e, posteriormente, com a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, quando foram estabelecidos vários limites de gastos e endividamento para as esferas subnacionais, de forma a coibir desequilíbrios acentuados em suas finanças.
Hoje, parece claro que sua adesão e respeito a estes instrumentos não passaram, de modo geral, pois há de se reconhecer que alguns os encararam com maior seriedade, de uma farsa, que foi sendo maquiada com uma contabilidade criativa para mostrar resultados que não condiziam com a realidade de suas finanças. Nessa situação, o “pacto fiscal” que o governo federal novamente ensaia com os estados para salvá-los da atual penúria, sem deles exigir maiores contrapartidas, inclusive de ajustes nos seus gastos com pessoal, principal fonte de seus desequilíbrios, apenas repete a história já bastante conhecida de deixá-los “livres” para continuarem cometendo “pecados” fiscais sem sofrerem qualquer punição e contribuindo para empurrar o país para um quadro de insolvência financeira.
O estado de “emergência financeira” do governador Fernando Pimentel representa apenas mais um exemplo que deve continuar se repetindo com outros estados: o de governantes que operam sem restrições orçamentárias, sabendo que encontrarão, de um lado, bodes expiatórios para justificar sua negligência e omissão no trato das finanças públicas, caso da crise econômica e de uma federalismo “mal ajambrado”, e, de outro, um governo federal, geralmente enfraquecido politicamente, capaz de pagar por seus caprichos, visando angariar votos de suas bancadas no Congresso, principalmente para a aprovação de projetos que prejudicam a sociedade. Um acordo em tudo lamentável, mas o preço a pagar por essa mesma sociedade quando os interesses políticos e particulares dos governantes se sobrepõem aos interesses públicos.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colaborador do Brasil Debate e Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Economia e política das finanças públicas no Brasil: um guia de leitura”
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