No Reino de Equinata - Conto IV
A Educação
Por Ricardo Coelho dos Santos
Não existe nada mais equinateano do que a Educação em Equinata. Imaginemos uma nau que sai de um porto, não sabe para aonde vai e muda de direção para cada opinião surgida dos marujos. Os oficiais não sabem o que fazer e esperam que um grumete afirme que a rota seguida esteja correta ou não! Terrível!
Mas o Clube dos Lordes deu uma solução salvadora. Decretou que não existe competência de conhecimentos superior à de um membro do clube. Assim, ninguém em Equinata, seja Especialista, Mestre, Doutor ou Professor, pode assumir um cargo público técnico ou científico se não for do Clube. Como a maioria dos membros não são nem formados, encontramos Lordes responsáveis pelo trânsito sem o menor conhecimento na área, alguns sem sequer carteira de motorista. Se é um Lorde, para que uma licença para dirigir?
Dessa forma, a maior motivação dos jovens estudantes não está em conseguir um diploma, mas sim, em se tornar logo um Lorde, pois esse, sim, tem competência oficial para o trabalho! Entretanto, para se ser um Lorde é difícil! O povo equinateano, destoando do Clube, está exigindo diplomas, e aí, a coisa complica!
Dizem que, antigamente, a Educação de Equinata era um exemplo para o mundo. Nas escolas, se estudava Latim, Grego e Francês, Música e Civismo. Mas a modernização veio a questionar o porquê disso tudo, e certas matérias começaram a desaparecer. Em seguida, os mestres deixaram de receber o título respeitoso de Professor e ganharam dos alunos nomes carinhosos, familiares. Com a mudança no estilo de governo, passou a se questionar também o Civismo. Os hinos pátrios do reino já estavam sendo abandonados por uma questão de segurança real, acreditem se quiser!
Ainda, como a demanda estava cada vez maior, resolveu-se aumentar o número de professores e deixá-los com salários reduzidos, equilibrando o orçamento, o que causou um êxodo na profissão. Em algumas regiões de Equinata, um gari ganhava mais que um professor. E, assim, não foi difícil encontrar garis com mais conhecimentos que professores… Poucos heroicos mestres prosseguiram na jornada santa da Educação, num sacerdócio eterno, pois com salários insuficientes, somente a motivação ideológica os mantinham na nobre profissão.
Mas os Lordes, vendo que, para seus postos, nem precisavam ter o conhecimento de um professor mediano, ou, muito menos, o de um gari, começaram também a questionar as matérias clássicas de Educação.
Começaram pela História. Negaram os feitos dos grandes heróis equinateanos, como o Duque de Citrus Rufus, que conseguiu disciplinar um exército perdido, levando-o a vencer uma guerra contra invasores. Ou o Barão do Córrego Pálido, que foi o primeiro a definir com clareza as fronteiras do reino, enquanto, entre os vizinhos, tal pendência só foi resolvida muitos anos depois. Hoje, uma criança equinateana, além de desconhecer seus hinos, nunca ouvira falar de R. Agave, um dos maiores juristas do planeta. História, hoje, é um mero estudo de como as coisas eram vividas!
Depois, a Matemática. Os Lordes não a entendem, então, para quê alguém entender? Em seguida, a Língua Pátria, pois inventaram o corretor ortográfico dos processadores de texto. E assim foi, mas, a coisa foi ainda piorando!
Já que se simplificou as matérias, para quê se precisa passar de ano? Os Lordes resolveram isso de forma magistral: se, antes, um aluno tinha de justificar, através de testes e provas, que mereciam dar mais um passo em favor de seu conhecimento, o que se chama de “passar de ano”, hoje, os professores é que devem provar, incontestavelmente, que o aluno não merece ser reprovado!
Ora, houve uma época que algumas escolas pagas, particulares, reprovavam os alunos a torto e a direito, visando o lucro com estadias maiores nos respectivos estabelecimentos. Agora, a estratégia passou a ser outra. Os golpes publicitários das escolas particulares de Equinata não se referem ao conhecimento, mas à felicidade, ao convívio social e, para umas poucas que podem, aos esportes, uma vez que a Educação Física, na simplificação do ensino equinateano, deixou de ser obrigatória. E, mais, os Lordes resolveram simplificar tanto o ensino que se consegue diplomas de nível superior em cursos com menos de três anos. E, para obter o diploma, basta declarar suas presenças nos colégios, uma vez que os professores desses estabelecimentos estão definitivamente proibidos de reprovar alunos.
Porém, algo complicado de se mexer é o mercado, e esse precisou de profissionais verdadeiramente qualificados. Um problema sério! Alguns equinateanos conseguiram estudar no exterior, mas, como muitos deles eram filhos de Lordes, não se estabeleceram no mercado de trabalho da indústria do reino, e sim, em outras atividades coligadas de suas famílias. Muitos, acabaram morando fora do reino!
O rei então resolveu aumentar o grau de conhecimento dos cidadãos comuns equinateanos, dando oportunidades melhores nas suas vidas e, principalmente, permitindo que a indústria de Equinata ficasse menos dependente de recursos do exterior, reduzindo, assim, as importações. A nota mínima que um aluno precisava tirar para se manter nos cursos era 5. Bom… obrigaram ao reino diminuir a nota limite para 2, para evitar a reprovação maciça dos alunos.
Então, como estamos hoje em Equinata: o cidadão não precisa saber escrever direito, desconhece a História do seu reino, mal sabe fazer contas e, assim, consegue um diploma, bastando saber assinar seu nome para isso. Ser Professor é um ofício desinteressante e, para alguns casos, até de risco, pois perdeu sua autoridade entre os alunos, ganha pouco e concorre com pessoas despreparadas que compartilham a mesma profissão, já que nem gari conseguem ser.
Mas esse processo de ensino tem a bênção do Clube dos Lordes, que declarou orgulhoso que “a Educação de Equinata não funciona, mas é a mais moderna do planeta”. Pelo menos, isso!
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