Orçamento do Governo e Dívida Pública
O argumento em defesa da PEC, apresentado no texto anterior (A PEC 55: Inconsistência e Alternativa) ainda tem um segundo problema, tão grave quanto o primeiro. Trata-se dos títulos de dívida pública. De janeiro de 1999 até outubro de 2015, o governo acumulou sucessivos resultados primário positivos, indicando que suas receitas primárias estavam acima de suas despesas primárias. Como qualquer família previdente, o governo sempre gastou menos do que arrecadou, economizando mais de R$ 4,2 trilhões durante quase dezesseis anos, de acordo com dados do Banco Central.
Contudo, a emissão de títulos de dívida pública continuou a crescer, de forma que, mesmo economizando, o governo continuava aumentando sua dívida e, por isso, pagando juros. De 1999 até setembro de 2016, o governo pagou a soma de R$ 3,4 trilhões em juros nominais e, mesmo assim, sua dívida bruta saltou de R$ 527 bilhões para R$ 4,1 trilhões de reais nesse mesmo período.
Em suma, o chamado resultado primário sempre foi positivo, com exceção do final de 2015, ou seja, o governo sempre gastou menos do que recebeu. Ainda assim contraiu uma dívida crescente que não é explicada pela “gastança” como querem os economistas, a grande imprensa, os políticos e o Governo Temer. Assim, nota-se que o crescimento desenfreado do endividamento nada tem a ver com o recente resultado primário negativo, sendo explicado por outro aspecto: a função dos títulos de dívida pública na composição dos rendimentos das empresas – financeiras ou não. Por essa razão, a emissão de títulos de dívida pública até 2014 não serviu para financiar as despesas primárias do governo, isto é, não serviu para nada referente ao atendimento das necessidades do país.
Do ponto de vista da dívida pública em títulos, cerca de R$ 1,3 trilhão de reais estão na carteira do Banco Central, podendo ser cancelados, mesmo que progressivamente, reduzindo a dívida bruta. Parte dos títulos no mercado poderiam ser monetizados, também progressivamente. Para evitar expansão monetária e do crédito, poder-se-ia aplicar um coeficiente para o depósito compulsório – isto é, o dinheiro será obrigado a permanecer no banco central – da ordem de 100% sobre a variação dos depósitos à vista. Medida esta, diga-se de passagem, já realizada durante o plano real.
Mesmo assim, há uma ação imediata de alívio do volume de títulos de dívida pública. Trata-se do cancelamento de quase 1 trilhão de reais em títulos que estão na conta única do tesouro no Banco Central. No lugar de pagar juros para títulos em posse do banco que pertence ao governo, seria mais prudente cancelar esse volume de títulos, reduzindo o patamar da dívida imediatamente e a dívida bruta cairia para pouco mais de 40% do PIB.
Mudança no capitalismo brasileiro
As alternativas à PEC 55 expostas por nós são viáveis do ponto de vista técnico, mas extremamente difíceis do ponto de vista político, haja vista que a direção do Banco Central e do Ministério da Fazenda estão entregues aos defensores dos grandes bancos e empresas brasileiros e estrangeiros. Elas conseguiriam sem grandes percalços, recuperar as receitas primárias, reduziriam a necessidade de resultados primários positivos e, assim, permitiriam caminhar em direção ao cumprimento dos objetivos de melhoria das condições de vida do conjunto da população brasileira, presentes na Constituição de 1988. Contudo, a PEC 55 está longe de ser uma medida somente técnica. Ela é essencialmente política e, em verdade, corresponde ao ajuste das funções do governo à nova posição do Brasil na divisão internacional do trabalho.
Em linhas gerais, como país exportador de mercadorias oriundas da extração mineral, da agricultura e de mercadorias industriais montadas em território nacional, manteve-se a posição subordinada do Brasil em relação aos demais países. Assim, agrava essa posição, uma vez que, na atual situação histórica, a estagnação da economia mundial e de seu comércio, acompanhado da volatilidade dos mercados financeiros, estabelece incertezas ainda maiores nos negócios realizados em território brasileiro e deste com o mundo.
A maior incerteza exige recompor, num patamar mais elevado, o que os empresários e banqueiros, brasileiros ou estrangeiros, esperam ganhar com as operações de suas grandes empresas transnacionais, colocando como imperativo a readequação das funções do governo, uma vez que os ganhos para esses empresários serão garantidos por meio da redistribuição dos impostos que o governo arrecada. Desde que compreendidos do ponto de vista da recuperação desses ganhos, os cortes nas despesas primárias e a manutenção das despesas com títulos de dívida pública, mesmo que ociosos nos caixas do governo central, são cruciais. Por isso, longe de uma proposta técnica para melhorar as contas do governo, a PEC 55 é uma questão política, na qual a classe trabalhadora não está incluída.
Pelo contrário. O cenário não é (e tampouco será) animador para o conjunto dos trabalhadores, uma vez que a recomposição dos ganhos não se esgota na nova configuração das funções do governo. Também será necessário reduzir o salário pago por hora trabalhada, por meio da ampliação da oferta de trabalho e de sua flexibilidade. O que coloca na ordem do dia as reformas trabalhista e da previdência (que estão em curso).
1 Professor adjunto do Departamento de Economia da UFES.
2 Professor titular do Departamento de Economia da UFES e do Programa de Pós-Graduação em Política Social.
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