A queda da inflação nos últimos meses que permitiu a essa fechar o ano de 2016 em 6,3%, abaixo do teto da meta, e a redução da taxa Selic para 13%, após um corte superior ao esperado pelo mercado, despertaram uma onda de otimismo no Brasil de que o fantasma da recessão começa a ser exorcizado e que o sol do crescimento está próximo de voltar a brilhar no país. O presidente Temer, que andou prometendo derrotar a crise em 2017, começou a ver, nestes resultados, sinais inequívocos de que sua profecia poderá, afinal, se cumprir. Não parece tão fácil assim.
Por enquanto, o mercado continua apostando em uma taxa de crescimento no ano de apenas 0,5%, mas há ainda um longo caminho a percorrer e, até lá, não são pequenas as turbulências – internas e externas – que podem desabar sobre a economia brasileira e desvitaminar essa melhoria: a continuidade da Operação Lava Jato, o novo e imprevisível governo norte-americano de Donald Trump, a elevação dos juros dos Estados Unidos, a anêmica economia da zona do euro e a projeção modesta de crescimento de apenas 1,9% para as economias desenvolvidas e de 3,4% para o mundo em 2017.
O FMI, por sua vez, que revisou em meados de janeiro suas previsões para o crescimento das economias em geral, reduziu a taxa esperada para o Brasil, em 2017, de 0,5% para 0,2%, e para 1,5% em 2018, indicando maior pessimismo sobre o seu desempenho, mesmo após as boas notícias da inflação e dos juros, enquanto a OCDE continua a prever um cenário de estagnação para o país e um crescimento não tão expressivo, para 2018, de 1,2%. Nada há, assim, para comemorar depois de quatro anos de recessão/ estagnação. Não é difícil saber as razões dessas dificuldades.
Taxas mais baixas de juros, mesmo que ajudem, não são o único determinante do investimento. Nenhum empresário se dispõe a investir, em primeiro lugar, se não confiar que terá mercado para seus produtos – ou seja, demanda – e nem se não contar com condições favoráveis para sua produção ser competitiva, seja no mercado interno ou externo. E o fato indiscutível é que nenhuma dessas condições estão à vista, atualmente, no Brasil.
A drástica redução da inflação foi alcançada, não por obra de uma política econômica criativa, mas graças ao aprofundamento da recessão, que derrubou os empregos – hoje são mais de 12 milhões de trabalhadores nessa situação – e os rendimentos dos salários, o que, junto com o alto endividamento familiar, bloqueou os canais do consumo e, portanto, o mercado para a produção. De outro lado, as possibilidades de retorno do investimento, esbarram, além dessa questão, também no elevado nível de endividamento das empresas e do custo-Brasil, dado por uma taxa de juros real – ainda a mais alta do mundo -, por uma carga tributária asfixiante, uma infraestrutura econômica precária e dispendiosa e por regulamentações excessivas do governo que prejudicam a produção.
O maior problema é que não se encontra em andamento nenhuma reforma para enfrentar essas questões, tendo o governo, até o momento, apenas conseguido aprovar a proposta de corte dos gastos primários (a PEC 55) para reduzir o desequilíbrio orçamentário, e encaminhar a reforma previdenciária, ainda em discussão, que nada devem contribuir para sua solução. A primeira, contrariamente, deve inibir ainda mais a demanda, à medida que reduzirá os gastos públicos – um de seus componentes -, sem reverter, por alguns anos, a trajetória de crescimento da relação dívida/PIB, já que os gastos financeiros (os encargos da dívida) continuam livres para crescer e as receitas públicas continuam em queda expressiva devido à recessão. A segunda, embora necessária em termos decentes e equitativos, encontra forte oposição para ser aprovada, pois lança a conta deste desequilíbrio sobre a população trabalhadora que por ele não é responsável.
Ora, como a preocupação do governo e dos gestores da política econômica tem sido a de dar ênfase apenas à questão fiscal, cujos frutos que poderiam ser obtidos com essas reformas vão se perdendo com outros aumentos de salários concedidos ao funcionalismo público e com o socorro prestado a governos estaduais falidos, não se pode esperar que apenas a redução dos juros seja capaz de dar uma solução para a crise. Apesar de importantes, estes estão longe de representarem uma panaceia para todos estes problemas.
Para isso, seria necessário ir muito além: i) adotar medidas criativas para relançar o crescimento econômico, dando maior fôlego à demanda, seja ofertando créditos para a liquidação de dívidas das pessoas e empresas, seja avançando investimentos em setores mais empregadores de mão de obra, o que propiciaria também a recuperação da arrecadação; ii) encaminhar as reformas de longo prazo que efetivamente sinalizem que os problemas estruturais do país começam a ser enfrentados, visando melhorar as expectativas dos agentes econômicos sobre o futuro da economia. São reformas que, deve-se reconhecer, não são nada fáceis de serem realizadas por um governo carente de legitimidade política.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colunista de Debates em Rede e de O Beltrano, e autor, entre outros, do livro “Economia e políticas das Finanças Públicas no Brasil: uma guia de leitura”