Por Guilherme Henrique Pereira*
Mesmo para os graduados em ciências econômicas não é trivial acompanhar os avanços no campo das teorias monetária e suas implicações para a política monetária praticada em um país.
No caso brasileiro, há décadas que chama atenção a prática de juros (nominais e reais) extremamente mais elevados que no resto do mundo. Mesmo nos anos recentes com profunda recessão e um crescente desemprego; mesmo diante de uma fragilização das finanças públicas, em razão da elevada despesa financeira responsável pelo déficit do setor público, por sua vez resultante da taxa de juros praticada, a ala de economistas que mais ocupa espaço na imprensa comercial mantém o velho discurso de que esse nível de taxas de juros é necessário para o controle da inflação. Parece que há uma significativa conveniência em desconsiderar a realidade das demais economias que praticam juros muito mais baixos e nem por isso a inflação deles tornou-se descontrolada. Abusam também em desconsiderar recentes avanços teóricos apresentados por insistentes e competentes pesquisadores que se debruçam sobre este tema chato e teimoso em oferecer comportamento real distinto dos previstos nos modelos.
No passado, não muito distante, a política monetária era orientada pela chamada “teoria quantitativa” expressa a partir de uma identidade bem simples: MV=PY. Não precisamos passar pela complexidade dos conceitos envolvidos para compreender a regra derivada, basta ver em M o volume de moeda em circulação, em V sua velocidade (quantas vezes no ano gira no mercado), Y o quantum do PIB e P o nível de preços. Assim, se M crescer mais que Y, dado que V é considerado estável a curto prazo, só há uma possibilidade de reequilíbrio da equação: aumentar P, isto é, haverá inflação. Bastava assim, aumentar ou diminuir os meios de pagamento para controlar nível de preços ou baixar a taxa de juros para estimular o investimento, logo o crescimento do PIB.
Ocorre que a realidade, no campo das ciências sociais, quase sempre não obedece a modelos, particularmente estes tão simplórios. Basta lembrar da crise aberta em 2008 nos EUA quando o governo inundou os bancos com socorros (mais moeda, M) e nem por isso houve avanço da inflação.
Abandonada a proposta quantitativa, a política monetária passou a ser orientada pelo controle da taxa de juros. Algumas pesquisas indicavam que variações na taxa de juros provocavam movimentos inversos na demanda de bens e serviços. Um aumento de demanda provocaria, nos casos em que a oferta não acompanhasse, um aumento dos preços. Mas esta possibilidade definitivamente não é o caso brasileiro de anos recentes, ao contrário, o que se verifica é queda de consumo com enorme massa de desempregados. Mas, mesmo assim o Brasil continua praticando a mesma cartilha ouvindo os economistas que mais têm espaço na imprensa comercial.
Parece que começa a surgir uma luz no horizonte, ainda que muito longe ainda. Muitos economistas discordam do lugar comum repetido diariamente na imprensa. A novidade é que economistas de dentro, ou que eram muito próximos daquela ala, começam a chamar atenção para dois fatos. O primeiro é não dá mais para insistir em algo sem correspondência do lado real e, segundo, é preciso conhecer e debater os avanços teóricos recentes.
Luiz Bresser Pereira, respeitado no mundo político por ser um dos fundadores do PSDB e, no mundo acadêmico, por sua vasta produção científica nas linhas de interpretar a construção política do Brasil e de elaborar uma macroeconomia desenvolvimentista. Veja o que ele diz sobre a teimosia com a velha cartilha:
“..... venho tratando sistematicamente, de um ponto de vista macroeconômico, a taxa de câmbio e a taxa de juros a partir da percepção de que, no Brasil, a taxa de juros era muito alta e a taxa de câmbio, muito frequentemente apreciada, e não havia nenhuma teoria sobre isso. Confesso que não achei uma boa teoria econômica para explicar por que a taxa de juros é tão escandalosamente alta no Brasil. A única explicação que faz sentido é que essa taxa é alta devido ao poder político que os capitalistas rentistas, incluindo uma ampla classe média que se beneficia desses juros altos, têm no Brasil.” Entrevista a Maurício Plus, Brasileiros, 12/09/2016.
André Lara Resende, outro economista de reconhecida plumagem, nesta semana, publicou dois artigos em o Valor historiando evidências empíricas, verdades e ex-verdades aceitas na política monetária, bem como resumindo as fronteiras das pesquisas sobre o tema. Por outro lado e principalmente, creio que se pode dizer, puxando as orelhas de ex-alunos que envolvidos pelo mercado não estudam mais. Não sendo a teoria monetária a minha praia, não devo pretender resenhar os seus ensinamentos. Tampouco caberia aqui. Contudo, é muito importante para os esclarecimentos que compartilho com os leitores de Debates em Rede, mencionar aqui suas informações sobre novas pesquisas no tema. Melhor é transcrever um trecho do segundo artigo (Valor, 27/01/2017):
“....Se a taxa nominal fixada pelo banco central for baixa, [política do banco central em prazo mais longo] a inflação será baixa, se for alta, a inflação será alta. Inverte-se assim a clássica relação entre inflação e juros. Este é o resultado lógico do atual modelo macroeconômico de referencia, cujo principal formulador é o próprio Michael Woodford....” .
Após comentar que este resultado é surpreendente e paradoxal, pois é aceito que taxas de juros e demanda agregada têm relação inversa. Logo, no curto prazo, o controle da inflação, via demanda, requer sinalização de taxa de juro em direção contrária. Mas..."Aceitando-se o modelo de referencia....não há como escapar da conclusão: a inflação de equilíbrio acompanha a taxa nominal de juros fixada pelo banco central. Quanto mais alta a taxa de juros, mais alta a inflação. "
Enfim, leitores que aguentaram esse papo até agora têm como recompensa saber que este lugar comum repetido diariamente pelos jornais comerciais em papel, ou apenas falados, carecem de credibilidade, mesmo entre economistas do mesmo campo ideológico e político. E também poderá levar para a discussão com os amigos uma boa polêmica: a taxa de juros praticada por muitos anos no Brasil é a principal responsável pelo nosso nível de inflação, em geral, mais elevado que na maioria dos demais países. Argumentos justificadores? que cada um invente o seu, sabendo que tem respaldo nas mais novas pesquisas sobre o tema.
*Professor, Doutor em Ciências Econômicas.