Por Daniel P. Sampaio*
Nos últimos dois anos, uma das palavras mais utilizadas para descrever o quadro econômico no Brasil foi “crise”. Contudo, é importante lembrar que a década de 1980 foi considerada como a “década perdida” e a década de 1990 a das reformas “neoliberais”. Foram duas décadas em que ocorreu baixo crescimento econômico, com regressão da estrutura produtiva e agravamento do quadro social, que levou a um agravamento da segregação e dependência.
Porém, na segunda metade dos anos 2000, a economia brasileira viveu um momento de rara euforia desde o estouro da crise da dívida dos anos 1980. Tivemos comparativamente taxas de crescimento econômico mais elevadas, propiciadas por condições internas e externas favoráveis, retomada do investimento, e redução da pobreza absoluta. Depois de duas décadas de pífios resultados econômicos, finalmente o país entraria na rota do desenvolvimento?
Sabemos que não. Depois de navegar em céu de brigadeiro, a economia brasileira retornou para a dura realidade: “crise”. A “crise” brasileira, portanto, não é mero dado da conjuntura. Ela tem suas especificidades, espaciais e temporais, marcada pelas contradições dos momentos políticos e econômicos, sejam eles de ordem nacional e internacional. A “crise” brasileira é, portanto, estrutural e de longo prazo.
Porém, como enfrentar este quadro? Há uma série de debates em torno de projetos para enfrentar esta questão. Economistas divergem sobre as alternativas para a retomada do desenvolvimento, revelando o pluralismo metodológico da economia, que é uma ciência social aplicada. De forma a procurar contribuir para este debate, retomamos dois termos que Celso Furtado discutiu em sua obra: criatividade e cultura.
Longe de esgotar o pensamento deste importante autor, dada a sua larga contribuição ao entendimento das relações entre desenvolvimento e subdesenvolvimento, destacamos estes dois pontos, criatividade e cultura, que discutem aspectos das múltiplas dimensões do desenvolvimento e do subdesenvolvimento. Nas palavras deste pensador: “Captar a natureza do subdesenvolvimento não é tarefa fácil: muitas são as suas dimensões e as que são facilmente visíveis nem sempre são as mais significativas”[ 1]. Ademais, cabe lembrarmos que ele afirmou que o subdesenvolvimento não é uma etapa pela qual os países passam para alcançar o desenvolvimento, trata-se, isto sim, de um processo histórico de difícil superação.
Celso Furtado nos ensinou que o mimetismo cultural de nossas elites, em relação aos padrões vigentes aos países centrais, é uma variável-chave para explicar as grandes e crescentes desigualdades sociais no Brasil, a tendência à vulnerabilidade externa, e a estreiteza do mercado interno, principalmente nos segmentos modernos. Revelou, assim, um entendimento sobre dependência que vai para além dos aspectos econômicos, que tem raízes históricas.
Além de desvendar o papel da trava que constituiu a desigualdade social para o processo de desenvolvimento, este autor analisou o papel da transformação do potencial criativo do homem para o progresso técnico e seus impactos sobre o processo de acumulação de capital. Assim, retomou a discussão da difusão lenta e desigual do progresso técnico, característica da visão centro-periferia originalmente proposta pelo economista argentino Raul Prebisch. A estrutura da oferta, principalmente no setor industrial, também aparece como uma trava de difícil superação no capitalismo contemporâneo nos países subdesenvolvidos, frente às constantes revoluções na base técnica e elevada concentração de capital.
O modelo de política econômica vigente levou a dois anos de depressão econômica, acumulado em aproximadamente 7,5% de redução do PIB (Produto Interno Bruto), com impactos profundos sobre a já combalida indústria, principalmente a de bens de capital e de consumo durável, a continuidade de nossa inserção externa baseada em recursos naturais, bem como uma massa de 12,3 milhões de brasileiros desempregados. Com a sinalização de políticas de comércio exterior de corte protecionista pelos Estados Unidos, um de nossos principais parceiros comerciais, nosso comércio exterior, variável de relativo dinamismo neste curto período, deve sofrer impactos negativos no médio prazo.
Frente ao quadro, cabe pensarmos alternativas para a política econômica. Dentre elas, a boa teoria do desenvolvimento/subdesenvolvimento nos coloca desafios às políticas de melhoria na saúde, educação e segurança. Porém, deve ir além, ao promover o combate às desigualdades sociais, com inclusão social, valorização das diversidades regionais, considerar as questões ambiental e agrária, bem como a diversificação produtiva com inserção externa dinâmica como elementos constituintes de um projeto de nação.
*Daniel P. Sampaio é professor do Departamento de Economia da UFES. É Doutor em Desenvolvimento Econômico pela UNICAMP.
[1] FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1974.
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