Portas que se abriram para a integração dos sistemas produtivos nacionais e para o mercado de trabalho regional, o Mercosul e o Parlasul agonizam ante a omissão dos governos, a indiferença dos políticos e o desinteresse da imprensa. A criação do bloco econômico em 1991, reunindo Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, projetou a alternativa de um desenvolvimento comum e a promoção da autonomia política regional. Na fase inicial, gerou resultados surpreendentes na balança comercial de cada país, ativou negócios, amenizou conflitos potenciais, aumentou a circulação de empresários e cidadãos nativos dentro da própria região.
Acabo de ler o livro Parlasul: o espaço político da integração (vol 218, Editora Senado Federal, 2016), escrito pelo jornalista Marcos Dantas Magalhães, correspondente da Agência de Notícias do Senado para o Mercosul, do qual brotou o Parlamento. Uma contribuição pragmática, distanciada, texto e metodologia jornalística impecáveis. Configura-se quase como uma fonte primária, embora, no meio acadêmico, haja resistência em considerar notícias de jornal como recurso para análises científicas. Jornalistas são, contudo, olhos, ouvidos e, às vezes, por suas qualificações e experiência, os únicos a captar o sentido dos fatos do cotidiano, aqueles que mexem, remexem e incomodam os cidadãos.
A leitura do livro do Marcos sobre o Parlasul fez-me voltar ao Americanidade: passaporte para a integração..., de minha autoria (SF, 2010, vol. 128). De uma perspectiva acadêmica, acompanhei os momentos palpitantes e as inflexões no Mercosul, por meio das matérias e análises cotidianas dos jornalistas correspondentes. Sem o registro atento e responsável daqueles profissionais, os pesquisadores estariam até hoje interpretando versões da história das duas instituições integracionistas configuradas por interesses, intrigas, ideologias e até visões exóticas. Daí entender que a imprensa funciona, no mínimo, como uma plataforma para a historicidade. São outros quinhentos pretender “...escovar a história a contrapelo...”, conforme sugere Walter Benjamin(1994), uma provocação indigesta sobre a competência para ocupar o Lugar de Fala do jornalista.
Como jornalistas, cidadãos, tanto eu quanto o Marco não nos livramos de uma passionalidade contida: [...]a porta para fechar é aquilo que se abre[...]”(p.477). Minha abordagem é cultural, a do Marcos processual :“- Se não houver eleições diretas, o Parlasul vai virar uma ONG “ (p.169). Os dois trabalhos são provocativos: pedem aprofundamento e reações. Cheguei a propor ao Instituto de Estudos Legislativos do Senado a criação de uma Cátedra do Mercosul, com a finalidade de qualificar profissionais para a integração. Houve certo entusiasmo e, depois, como sói acontecer numa casa de efemeridades, a proposta evaporou. No trabalho do Marcos, no meu, no do Chico Sant‘Anna (Midia das Fontes, SF, 2009) e em dezenas de outros sobre o tema conclui-se que a integração só acontecerá quando a cidadania americanizar-se, chegar à população.
Se verdadeira a hipótese, a imprensa é indispensável para a integração. O jornalismo carrega em si um processo pedagógico, que chamo de “educação informal”, embora a grande imprensa na América Latina atue pautada na ideia do bad news good news, que nos países liberais conspurca a liberdade de informação e, às vezes, a própria verdade. Sua guardiã é a Sociedade Interamericana de Imprensa, suficientemente conservadora. O modelo expõe a imprensa regional ao provincianismo. Copia-se tudo, não se produz nada.
Esse jornalismo abriga também, com grande infidelidade à profissão, tipos psicopáticos que, pelo irrealismo e limitações próprias, distorcem os fatos, a história e o destino das pessoas. Como “quixotes” da vida, sempre estão a imaginar a desconstrução. Refletem mundos particulares, confusos, idealizados em modelos religiosamente messiânicos, com uma convicção que até a imprensa vacila. Resulta daí um conjunto de panacéias populistas, jogando no limbo projetos, estudos e experiências preciosas.
Ora, si somos americanos/somos hermanos señores! Precisamos cultivar uma prática e um norte gerado por aqui mesmo, evidentemente que fundados num senso escoimado das patologias – distinguidas com dificuldade - e dos frágeis preciosismos teóricos. Se queremos a “integração”, a palavra em si tem de adquirir significado próprio nos embates da vida cotidiana regional. É uma discussão para ser conduzida por um “ Jornalismo de Agenda Positiva”, de construção de mundo, de reconfiguração, e não de “destruição”, mesmo em se pensando em um perspectiva “criativa” shumpeteriana (1942).
Ao observar o funcionamento do Mercosul e do Parlasul, comparando algumas passagens e personagens do livro do Marcos com eventos e atores presentes nos cenários de ontem e de hoje, visualiza-se claramente momentos de perdas de oportunidades e de massa crítica no processo. Ideais e iniciativas originais desmanchando-se no ar, desviando seu curso original, desfazendo, por exemplo, sonhos da geração de milhares de empregos potenciais no campo e na cidade . Conclui-se que a integração poderia estar cem anos à frente se as sociedades regionais estivessem impregnadas do espírito da americanidade, refletido, no mínimo, em eleições diretas para o Parlasul, e o jornalismo fosse mais proativo e crítico em relação à integração. Mas, a imprensa liberal, instalada numa zona de relativo conforto, evita assumir esse compromisso e ignora ambos. A informação na região vem das migalhas que escorregam da mesa das agencias estrangeiras.
*Jornalista, professor doutor em história cultural
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