Particularmente, fiquei muito feliz ao assistir, na festa do Oscar, o filme “Mogli, o Menino Lobo” receber um prêmio. Foi o reconhecimento a um trabalho técnico, para Efeitos Visuais, e não algo artístico. Mas, mesmo assim, fiquei alegre.
Não escondo de ninguém que meus personagens favoritos estão no entorno do genial escritor Monteiro Lobato. A turma do Sítio do Pica-pau Amarelo: Emília, Tia Nastácia, Dona Benta, Pedrinho, Narizinho, Conselheiro, Quindim, Visconde de Sabugosa e tantos outros povoaram a minha infância, me fazendo devorar seus livros desde meus oito anos. Li toda a série e reli e repeti a façanha até me despertar para outras obras e começar a escrever os meus próprios livros aos doze anos de idade!
Monteiro Lobato também me apresentou outro personagem favorito: Peter Pan! É indescritível o amor à natureza e às aventuras que esse personagem de James Matthew Barrie desperta.
E o outro personagem favorito também foi a nós apresentado pelo genial escritor taubateano: Mowgli, o Menino Lobo, de Joseph Rudyard Kipling.
Várias traduções foram feitas sobre essa maravilhosa história, inspirada em uma criança real encontrada na Índia e cuidada por lobos. O livro original em inglês, “The Jungle Book”, em dois volumes, nos foi apresentado por Monteiro Lobato em um volume só, dividido em duas partes: uma com a história de Mowgli e outra com os demais contos, fora da ordem original. Essa tradução recebeu o nome de “O Livro da Jângal” e é a melhor de todas. Poucas pessoas conseguiram transmitir a força do texto de Rudyard Kipling em português. Outras traduções surgiram, mas está em Monteiro Lobato, um grande tradutor de Kipling e Heminguay, a melhor de todas as versões.
Rudyard Kipling é um dos meus escritores favoritos. Eu não sou adepto à maçonaria, mas os maçons em geral gostam de representar as coisas através de símbolos, e foi nisso que Kipling foi um mestre e Monteiro Lobato soube expressar tão bem em português. Usou cada personagem como o urso Baloo, a pantera Bagheera, a serpente Kaa e o líder dos lobos, Akela, como significado das várias manifestações do caráter humano, gerando um verdadeiro manual de comportamento, superando qualquer compêndio de educação já lançado, com exceção, claro, da Bíblia.
Tamanha a força do seu texto que veio a chamar a atenção de um educador: o inglês Robert Stephenson Smyth Baden-Powell, um seguidor de Montessori. O fundador do Escotismo e o autor de “O Livro da Jângal”, “Kim”, “Gunga-Dim” e “O Homem que Queria ser Rei” criaram entre si um forte laço de amizade. Tão forte que imaginaram que Baden-Powell também seria maçom. Não foi. Ele se negara por um motivo estratégico: queria disseminar seu método educativo para todas as classes sociais, raças e credos. Teve grande dificuldade, como filho de pastor anglicano, de levar o escotismo para a Igreja Católica. Se ele se tornasse maçom, então, a dificuldade seria em muito aumentada.
Mas tanto um como outro abraçaram suas ideias em comum. O filho de Kipling, John, se tornou escoteiro e, para ele, o pai escreveu o poema mais lido do planeta: “Se…”. Escreveu o livro “Contos dos Escoteiros e Bandeirantes da Terra e do Mar”, enquanto Baden-Powell usou os principais personagens do “Livro da Jângal” como ícones educacionais no Escotismo. O Ramo dos Escoteiros mais jovens passou a se chamar de Lobinhos.
Entretanto, devemos chamar a atenção ao fato de que “O Livro da Jângal” foi lançado por muitas editoras como “Mowgli, O Menino Lobo”. Inclusive, a tradução de Monteiro Lobato foi desmembrada com esse nome, para o conto do nosso personagem, e com outro volume chamado de “Jacala, o Crocodilo”, com os demais contos. Um pecado! É como tomar o sorvete numa taça e a cobertura em outra! E não foi assim que Kipling dividiu o “The Jungle Book”!
O conto “Mowgli, o Menino Lobo” surgiu antes de “O Livro da Jângal” e narra a história de amor entre uma moça simples e um misterioso jovem que surgira nas matas indianas, com poder de conversar com os animais. Um belo e apaixonante romance, como todos do genial escritor, mas diferente do conto principal. Em comum, somente o personagem. O nome original do conto é “In the Rukh”.
E o cinema não poderia perder essa oportunidade. Em 1942, a produtora de Alexander Korda, especializada em filmes de ação, realizou o filme “Jungle Book” com o maravilhoso ator indiano Sabu Dastagir, que já protagonizou, além do papel de Mowgli, “O Ladrão de Bagdá”, “Mil e Uma Noites” (versão de 1942) e “Narciso Negro”. Depois, veio a Disney. Em 1967, pouco após a morte do genial produtor, foi lançado um fantástico desenho animado com um tom mais leve e alegre que o livro original, sob a direção de Wolfgang Reitherman, cria do estúdio, e as vozes originais de Phil Harris como Baloo e George Sanders como Shere Khan. No Brasil, a voz de Baloo, quando cantava, era de Aloysio de Oliveira, e Castro Gonzaga nos brindou na voz de Hathi. Uma curiosidade: a voz do Mowgli original era do filho do diretor.
O que mais chamou a atenção nesse filme foi a avalanche musical de bom gosto. Com cantores de jazz e comediantes tarimbados nas vozes originais, o filme se tornou uma autêntica orgia jazzística que realmente dá gosto de escutar, com músicas de autoria dos talentosos irmãos Sherman mais Terry Gilkyson e George Bruns.
Foi feita uma sequência digna em 2003, com as vozes originais de talentos como Harley Joel Osment (Mowgli), John Goodman (Baloo), John Rhys-Davies e Phil Colins em papéis menores. Em 1994, a Disney também fez um filme em live action com Jason Scott Lee e Lena Headey. Uma produção lamentável, apesar dos bons atores. Mas, em 2016, fizeram algo digno e de qualidade. Na verdade, transformaram o desenho animado em filme. Não deve ter sido uma tarefa fácil! Mas funcionou!
Sob a direção do incomparável Jon Favreau, as músicas e a dinâmica do filme original foram mantidas e o elenco de vozes é de dar inveja à festa do Oscar: Bill Murray (Baloo), Ben Kingslay (Bagheera), Idris Elba (Shere Khan), Lupita Nyong’o (Raksha), Scarlett Johansson (Kaa), Christopher Walken (Rei Louie) e Giancarlo Esposito (Akela). No Brasil, o elenco de dubladores não ficou atrás! Respectivamente, temos as vozes de Marcos Palmeira, Dan Stulbach, Thiago Lacerda, Júlia Lemmertz, Alinne Moraes, Tiago Abravanel e Dário de Castro.
Porém, insisto no clichê em dizer que o livro é muito mais completo, de leitura realmente obrigatória. Além dos filmes não citarem ou se aprofundarem nos muitos personagens originais, que formam cerejas de bolo, como Tabaki, o chacal e Chil, o milhano, o significado dos personagens, isso é, o símbolo que cada um representa, é deturpado nas obras cinematográficas. Por exemplo, Kaa, a serpente (ou Casca, na versão brasileira do cinema) é uma conselheira, enquanto no filme, é vilã. Por que seria?
Bom, acredito que isso foi considerado. No trabalho de divulgação do Escotismo em várias comunidades, dirigentes capixabas depararam em recusas de religiosos na aceitação do Movimento por colocar uma serpente, símbolo do mal, como conselheira. Problema: o mesmo símbolo do mal é também da sabedoria e da medicina, compondo o Caduceu de Mercúrio. Certamente, a Disney preferiu não se arriscar.
Mas, dentro do Escotismo, Mowgli e seus personagens continuam amados, seja na versão Kipling, seja na versão Disney, com a visão distorcida sobre Kaa e tudo o mais. Quem assistiu ao filme de 2016 num sábado deve ter deparado com o cinema lotado de escoteiros para ver seu personagem mais querido.
Fonte: Wikipedia