Por André Ricardo Valle Vasco Pereira*
Um dos principais argumentos da direita contra a Greve Geral, ocorrida em 28 de abril, é o de que ela foi feita pelos setores “privilegiados”, ou seja, os que têm carteira assinada. Seriam as corporações, defendendo seus privilégios sindicais e leis trabalhistas para estas “elites”. É verdade que há uma proporção de subproletários no país que sequer ingressam no mercado de trabalho. E há outra parte, que entra e sai do mercado formal, com capacidade mínima de luta social organizada. Os sindicatos e movimento sociais que atuam de forma autônoma não conseguem, de fato, representar estes setores, o que não quer dizer que não lutem por eles, na medida em que ampliem suas pautas, como está sendo feito agora.
No auge das vacas gordas do PT, o Bolsa Família beneficiou o subproletariado e o aumento real do Salário Mínimo melhorou as condições de vida dos aposentados, pensionistas e trabalhadores pertencentes aos setores desorganizados. As diaristas, por exemplo, cobram por seu serviço com base no Salário Mínimo. Ou seja, mal ou bem, na fase áurea, o PT desenvolveu políticas em favor destes setores. E estes “gastos” não atrapalharam o desenvolvimento econômico. Pelo contrário, o PT manteve os juros altos, criou o PAC e deu enormes benefícios aos empresários, como: a redução do IPI, os empréstimos facilitados do BNDES e etc. A classe dominante foi a grande vencedora, é claro. Sempre é assim no capitalismo e não seria diferente com o PT.
Existe corporativismo sindical e as lideranças do PT e PCdoB foram altamente beneficiadas nos fundos de pensão e outros postos no governo. Os “trabalhistas” do PDT ganharam o Ministério do Trabalho. Os governos do PT permitiram uma ampliação do número de centrais sindicais, facilitando a vida dos conservadores nesta seara. E houve contenção das lutas dos setores mais organizados, principalmente quando envolviam servidores públicos e empregados de empresas estatais. Também houve flexibilização das leis trabalhistas. O PT e todos os seus aliados, de direita e de esquerda, são responsáveis por este quadro, ou seja, pelo aprofundamento do fosso simbólico e político existente entre os “integrados” ao mercado de trabalho formal e os “de fora”. Boa parte do emprego criado na fase boa foi precarizado, como no caso de motoboys, de atendentes de Call Center, de seguranças privados, de serviços de limpeza e de fast food. Jovens saíram das escolas para trabalhar e o endividamento familiar é que permitiu uma melhoria na qualidade de vida, mas a um custo muito alto no sentido de limitar o avanço destes trabalhadores para patamares mais significativos de ganhos e, principalmente, de mudança de posição no fosso que divide a própria classe trabalhadora.
Agora, com a contarreforma neoliberal, que não passa de um passo adiante nos processos de base que vinham se desenvolvendo, eliminado de vez a cobertura reformista do bolo, os que têm capacidade de luta organizada e foram afastados do poder estão reagindo. A maneira mais consequente de o fazer seria por meio de uma ampla aliança de forças de centro-esquerda, com o acúmulo de forças em cada categoria profissional, com greves e ações parciais em um crescendo, com bandeiras unificadas e com respostas alternativas ao discurso da direita, como, por exemplo, no combate à corrupção. Não tem sido assim. Em parte, isso se deve ao fato de que os custos de mobilização se tornam muito altos em conjunturas de desemprego e inflação alta. Em parte, pela postura oportunista dos que apostam no desgaste do governo Temer para vencer o pleito de 2018. O que se faz, então, é marcar posição. A Greve Geral foi um ato político para denunciar a Reforma Trabalhista e a da Previdência. Ela se soma às mobilizações do fim do ano passado, com absoluto destaque para as ocupações de escolas, que se deram contra a Reforma do Ensino Médio e a PEC do Teto. Como eventos, elas demarcam uma posição, articulam uma negativa à pauta da direita. Mas, de fato, não apelam aos que estão do lado de lá do fosso.
Os conservadores dizem que o país foi quebrado pelo PT, que é preciso economizar nos gastos públicos e que a desregulamentação das leis trabalhistas vai criar mais empregos. Nada disso mostra como os setores desorganizados da classe trabalhadora e o subproletariado vão ganhar. Os primeiros são dependentes do crescimento econômico e a pauta neoliberal lhes é apresentada como promessa vaga de saída da crise. Para os segundos, só resta a demonização, na forma de uma identificação do grupo como “os nordestinos”. Na melhor das hipóteses, outra promessa vaga, a da metáfora do “ensinar a pescar”, como faz o governo Hartung, no Espírito Santo, com os cursos profissionalizantes para as áreas “carentes”, encobertos pelo termo “Ocupação Social”. Se esse tipo de coisa realmente desse certo, há muitos anos não teríamos problemas de inserção social, pois nada disso é novidade. O que resta saber é o seu impacto simbólico, seja pela via da demonização, seja pela crença no mérito pessoal. A pesquisa recente da Fundação Perseu Abramo na periferia de São Paulo mostra o alcance desta ideia entre os mais pobres. O fato é que nenhuma força social ou política oferece soluções, em termos de políticas públicas continuadas, para a efetiva incorporação dos que estão do lado de lá do fosso. O que ocorre é uma captura de apoio político temporário para os governos que são beneficiados pelo crescimento econômico. Assim, a divisão que leva a direita a classificar o sindicalismo como “corporativo” e seus militantes como “privilegiados” não encontra solução.
*Professor do Departamento de História/UFES
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