Por Anaximandro Amorim*
Recentemente, tive a honra de ser convidado pela professora e escritora Renata Bomfim (minha amiga), para falar um pouco sobre o gênero literário crônica a uma animada turma de Letras-Francês da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Tarefa deliciosa, afinal, falar de literatura é sempre bom, sobretudo quando se trata de um gênero que pratico com tanta frequência. Ao mesmo tempo, como se falar sobre algo tão sutil, tão delicado quanto a crônica?
Crônica vem do grego khrónos, que quer dizer tempo. Este elemento é a pedra angular para a construção do gênero. A crônica é, nada mais, nada menos, do que um texto curto e híbrido entre o jornalístico e o literário, em que o autor, geralmente, descreve um fato atual sob seu olhar pessoal. Ela não tem qualquer pretensão de “imparcialidade”, ao revés! O texto crônico é cheio de subjetividade e, além disso, difere-se do jornalístico por apresentar aquele trabalho de ourivesaria de palavra que só o texto literário tem.
Há muito o Homem produz crônica. Depois que o texto em prosa começou a se desenvolver ao lado do lírico, foram cronistas os primeiros historiadores, dentre os quais, por exemplo, Tito Lívio. Claro, o tipo de texto que se produzia era um tanto diferente das crônicas atuais, porém, arrisco dizer que as primeiras historiografias se confundiam com textos literários, misturando, aqui e ali, ficção com realidade. Marco Polo, por exemplo, além de ser o primeiro a relatar a existência do espaguete, disse que os chineses eram homens com a cabeça dentro do tronco. Mentira? Não, apenas outra época, outra forma de ver o mundo que em nada desabona esses textos.
Indubitavelmente, foi o escritor José de Alencar quem introduziu a crônica no Brasil, escrevendo 37 textos, de 3 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855, para o jornal “Correio Mercantil” sob o título “Ao Correr da Pena”, que batizaria a coletânea lançada em 1874 com esses mesmos escritos. Não apenas ele se debruçou sobre o gênero, mas autores de escol como Machado de Assis, Lima Barreto e João do Rio, também. Porém, a crônica moderna, tal como temos hoje, em nosso país, é atribuída a um capixaba, Rubem Braga, autor que, inclusive, conseguiu a “façanha” de se imortalizar com o gênero, tornando-se um divisor de águas após seu primeiro livro, “O conde e o passarinho”, de 1936.
Os capixabas, aliás, não ficam para trás quando o assunto é crônica. Menos lembrado que Rubem Braga, foi Carlinhos de Oliveira o responsável pela crônica diária (isso mesmo!) no Jornal do Brasil. Dentro do Espírito Santo, é impossível falar do gênero sem citar, por exemplo, Fernando Tatagiba, que, literalmente, escrevia na rua (punha sua máquina fora da redação, para não perder um segundo sequer do que se passava em torno dele!); Carmélia Maria de Souza, que se autointitulava “A cronista do povo”, algo de vanguarda em uma Vitória elitista e provinciana. Carmélia, aliás, teve sua candidatura à Academia Feminina de Letras rejeitada. Hoje, é patronesse de uma das cadeiras da instituição.
Eu descobri a crônica na tenra idade. Exatamente no ano de 1993, aos 14 anos, havia um concurso na empresa em que meu pai trabalhava. Escrevi um texto intitulado “O futuro”, que nem ficou entre os primeiros. Fiquei triste na época, mas, um belo dia, reencontrei o texto e li. Achei uma droga! Aliás, coisa que aprendi com o tempo: fazer crônica é muito difícil. É pouco espaço para muita coisa. Tanto que só retomei o gênero anos depois, em um blog antigo, pelo simples exercício de prosa. O blog cresceu, virou homepage, os textos foram publicados em jornais, revistas e outros blogs e eu até lancei um livro. E não é que eu me tornei cronista?
Os alunos da minha amiga me fizeram excelentes perguntas. Sobre como publicar e até como se fazer para ser cronista. Disse-lhes que um bom autor de crônicas deve ter sensibilidade, mas, também, olhos e ouvidos atentos. E desprendimento, pois o texto da crônica é paradoxalmente eterno e descartável, principalmente se publicado em um jornal. Quando adolescente, lembro-me de uma professora de português que dizia que o mesmo papel que publicava a crônica servia para embrulhar o peixe. As minhas, ao menos, estão na internet. Se bem que, esses dias, vi um caderno de jornal jogado na calçada, bem na página da crônica. É, pessoal! Cronista sofre!
*Advogado e Escritor; Publica também em anaximandroamorim.com.br
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