Por Aylê-Salassié F. Quintão*
Sentado sobre os calcanhares, fumando ainda um cigarro de palha, como um Jeca Tatu, o brasileiro assiste imobilizado a deterioração da economia e, ao mesmo tempo, a China parceira do Brasil no BRICs, inaugurar uma ambiciosa rede de transportes, com cerca de 15 mil quilômetros de extensão, ligando, por terra, a Ásia, a Europa, a África e o Oriente Médio, gerando emprego por todos os lados. Foram dois anos planejando a Rota da Seda (One Belt One Road), já em implantação, e preparando as cidades e as populações para assumir as diferentes frentes de trabalho em 68 países, representados por um conjunto de potenciais consumidores da ordem de 4,4 bilhões de pessoas, e investimentos de US$ 900 bilhões.
O mundo está diante do desafio do “Sonho Chinês” de resgatar a sua grandeza milenar e de transformar a China num protagonista importante no cenário de livre comércio e do antiprotecionismo. O projeto chinês propõe-se a modernizar a indústria nacional e ajudar a alavancar solidariamente o desenvolvimento nos países marginais, disse o presidente, Xi Jinping, ao abrir o Fórum de Cooperação Internacional das Novas Rotas da Seda, em Pequim , nos dias 14 e 15, ao qual compareceram 29 chefes de Estado, representações de mais de 100 países e quatro mil jornalistas. No evento foram assinados acordos de cooperação com os 68 países, o FMI e outras organizações internacionais. “A China pretende ser na Ásia o que os Estados Unidos são no Ocidente”, disse Jinping.
A Rota da Seda está prevista para chegar também à América. Por isso, compareceram ao Fórum a socialista Michelle Bachellet, presidente do Chile – maior fornecedor de frutas frescas para a China (US$ 1,2 bi) ; e o democrata Maurício Macri, da Argentina , um dos grandes concorrentes das exportações brasileiras de carnes para a Ásia. Nesses dois países os chineses financiam um complexo sistema de transporte entre o Atlântico e o Pacífico, com investimentos superiores a US$10 bilhões. O Brasil, onde os chineses estão investindo este ano U$ 5,7 bilhões, esteve presente ao Fórum quase como coadjuvante, através de representantes diplomáticos.
O que para os chineses é um sonho que se realiza em dois anos para o Brasil é quase um pesadelo, já que a construção da ferrovia Norte-Sul, com 4.155 km, estende-se por quase 30 anos, e mal chegou a Palmas. Não temos sonhos. A iniciativa empreendedora do povo chinês devia ser tomada como inspiração para os brasileiros saírem desse estado letárgico. Não se pode viver eternamente acenando para o caos. O brasileiro foi intoxicado pela irresponsabilidade, pelo cinismo e pela hostilidade entre cidadãos. De quatro a cinco anos para cá, pequenos grupos organizados tumultuaram politicamente a vida cotidiana, atropelaram atividades produtivas, introduziram a insegurança pública, interromperam o funcionamento regular das escolas, contribuindo para a perda de uma enorme parcela do PIB nacional.
Como se não bastasse, num momento delicado e agônico de esforços incansáveis para retomar patamares perdidos, a Justiça brasileira abre novamente uma discussão para a cassação do mandato do Presidente da República. Como agravante, agrega-se a esse quadro caótico a denúncia de que metade dos senadores, deputados federais tem dívidas diretas ou indiretas com os bancos públicos e a Previdência em valor superior a 3 bilhões de um refinanciamento do governo anterior, não pago. Até que venha o julgamento da chapa Dilma/Temer, chantageiam o Presidente em exercício para conseguir outro Refis. Usando expedientes similares, governadores e prefeitos acabam de conseguir prorrogar, por 200 meses, um débito de R$100 bilhões com a Previdência. Enquanto a China reconstrói o País e atropela as injustiças históricas, uma diversidade de atores e culturas agem no Brasil, com métodos diferentes e vantagens assemelhadas, emperrando a alavancagem da economia.
Nivelado por baixo, o Brasil está cada vez mais distante dos índices do crescimento do mundo; da China, nem se fala. Alguma coisa precisa acontecer para reformular os caminhos da política e desobstruir os canais de irrigação da economia brasileira. Estamos no fundo o poço. É urgente encontrar uma saída que acabe com a insegurança para retornar à vida normal. Se nada for feito logo, a produção vai cair, a violência vai aumentar, o capital fugido vai desaparecer e até mesmo a histórica unidade nacional poderá sofrer impactos. Rebaixados ante outras nações já estamos, só falta perder a identidade nacional.
*Jornalista e professor
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