Por Grupo de Estudos e Pesquisa em Conjuntura – Economia/UFES*
Em meados de abril, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, anunciou mudanças na metodologia de cálculo de duas de suas principais pesquisas, ou seja, as que medem mensalmente o desempenho do comércio e dos serviços, iniciando uma polêmica que já se arrasta a mais de um mês, afinal, para muitos, a mudança é oportunista e não reflete a realidade da economia brasileira, tratando-se de uma simples manobra estatística.
As alterações devem, de fato, maquilar temporariamente a crise, dando-lhe ares, ou mesmo breves sopros, de recuperação. Afinal, no que diz respeito às vendas no varejo, o subgrupo Hiper, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo, de forte impacto no consumo das famílias, teve seu peso reduzido na composição do índice do comércio, enquanto a participação do subsetor Combustíveis e lubrificantes ganhou peso. Assim, o impacto negativo de uma importante variável que apresentou queda no volume vendas de 1,7%, de fevereiro frente a janeiro, e de 8,2%, de março frente fevereiro, perde força, enquanto outra, que apresentou taxas positivas de crescimento, da ordem de 0,6% e de 1,1%, na mesma base de comparação, aumenta seu impacto na composição do setor e ajuda a alçar a pretensa onda de otimismo.
A outra mudança deve afetar, diretamente, o setor de serviços, bem como o índice de desemprego, pois, as empresas que fecharam as portas, aquelas que geram desemprego, foram excluídas do cadastro de informantes do Instituto, colocando-se, em seu lugar, empresas que abriram as portas e que, portanto, recém contrataram trabalhadores. Apesar do impacto de tais mudanças sobre o PIB ser bem mais brando, pois o principal agregado passa por controles mais rigorosos do comportamento das variáveis, verdade é que garimpar, ou mesmo criar boas novas em momentos de fortes tempestades políticas, inclusive com ameaça de novo impeachment, é sempre muito bem-vindo. Prova disso, que de uma queda de 0,7% nas vendas do varejo em janeiro, quando comparado com dezembro, o próprio IBGE apresentou crescimento de 5,5% no comércio, enquanto no setor de serviços, a revisão transformou uma queda de 2,2% em um crescimento de 0,2% na mesma base de comparação.
Tanto que bastou a divulgação dos novos dados para que, no dia 17 de abril, o presidente Michel Temer anunciasse a recuperação da economia como um “resultado do fortalecimento das reformas econômicas”, baseando sua euforia na recuperação do IBC-Br, o Indicador de Atividade Econômica do Banco Central, de periodicidade mensal, utilizado como medida antecedente da evolução da atividade econômica e que é fortemente influenciado pelos resultados das Pesquisas Mensais do Comércio e dos Serviços. Em 15 de maio, o governo voltou a falar em retomada do crescimento com base nos dados do índice do Banco Central. Jornais de grande circulação também se aproveitaram da repentina melhora “estatística” da economia brasileira, como o jornal Valor, que em sua edição eletrônica de 9 de maio emplacou a seguinte manchete, “comércio volta a crescer, com lucro”, utilizando exatamente os dados comparativos de janeiro, fevereiro e março deste ano para sustentar sua matéria.
Vale frisar que revisões metodológicas em pesquisas de dados estatísticos são comuns, afinal a dinâmica social exige adaptações e correções na leitura da atividade econômica com o intuito de se buscar os resultados que mais se aproximem da realidade. No entanto, sempre que uma mudança metodológica, como a acima citada, é realizada, deve-se observar um importante princípio da estatística, negligenciado desta vez pelo Instituto, que se refere à necessidade de se fazer a retropolação dos dados, o que significa, simplesmente, aplicar a mesma metodologia nova aos dados antigos, aqueles referentes aos anos anteriores, recomenda-se três exercícios para a mudança em questão, para que, dessa forma, a série apresente uma trajetória construída sobre informações coletadas em bases semelhantes.
A reação repentina, e simplesmente estatística, dos dados econômicos, fruto apenas de uma mudança na forma de cálculo, tem o claro intuito de criar um cenário otimista com fins exclusivamente políticos. Construído sobre falsas expectativas de crescimento real da economia, tende a pautar decisões equivocadas pelo lado da oferta, o que, além de irresponsável, lança sérias dúvidas a respeito da credibilidade das informações produzidas pela fundação pública cuja história remonta desde 1934.
Mas a polêmica está longe de acabar. Servidores da própria instituição denunciaram a utilização do renomado Instituto para fins políticos. Em nota oficial, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE, ASSIBGE-SN, acusou o atual presidente do Instituto, o economista Paulo Rabello de Castro, empossado no cargo desde junho de 2016, pelo presidente Michel Temer, de estar “mais preocupado em fazer propaganda do governo federal do que em preservar a instituição”. Na ação protocolada contra Paulo Rabello de Castro no MPF, no dia 8 de maio, que contesta a própria autonomia do presidente do Instituto, o Sindicato o acusa de conflito de interesses. Afinal, Rabello de Castro atua também no setor privado, uma vez que é sócio fundador da SR Rating, uma agência de riscos, e da RC Consultores, empresa que faz consultorias e vende projeções econômicas, utilizando-se, para tanto, dos dados de pesquisas como as realizadas pelo IBGE. Adepto das metáforas e trocadilhos sarcásticos, Rabello de Castro já afirmou que o IBGE é como um “lago de informações” e que, assim sendo, deveria funcionar como um grande “pesque e pague”, momento em que sugeriu que a instituição deveria cobrar por suas informações estatísticas.
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