Por Guilherme Henrique Pereira
A mania nacional de exaltação, vista principalmente nas empresas de comunicação, já foi logo estimulando o apelido de “histórico” para julgamento da chapa Dilma/ Temer. Talvez mereça de fato a qualificação, mas, seguramente não pelas consequências que produzirá e sim pelas revelações que permitiu. Algumas já bem conhecidas dos profissionais do Direito, outras novas, mas todas agora chegaram ao grande público e escancaram fragilidades do sistema. Essas fragilidades reveladas, se corrigidas, poderão justificar no futuro o adjetivo apoteótico de histórico.
A primeira fragilidade refere-se à composição da corte do TSE. Montada em carácter não permanente com ministros emprestados do STF, do STJ e representantes dos advogados, gera como resultado inevitável a falta de coerência de metodologia e de consolidação de jurisprudência. Soa estranho esses oriundos da advocacia como juízes em tão elevada instância, pois os advogados são treinados e experimentados para buscar argumentos favoráveis ao cliente, mesmo se tratando de crime hediondo confessado, ninguém pode ficar sem defesa, esse é o nosso princípio. Daí não ser vergonhoso para o advogado defender um criminoso, é seu dever de ofício e por isso é treinado para, mesmo na pior situação, buscar argumentos favoráveis ao cliente. Não foram treinados e nem cultivaram o hábito de buscar a verdade e a justiça. O critério de escolha também é inadequado, lista tríplice da qual um será escolhido pelo Presidente. No mínimo, em uma situação como essa do processo Dilma/Temer, esses deveriam ter o sentido ético de se considerarem impedidos.
Uma segunda fragilidade é que o processo de escolha admite a possibilidade de ser ministro do TSE juízes com baixa formação. A elaboração do voto individual revelou ministros com sólida formação e experiência e outros cujos votos demonstraram falta de embasamento teórico e doutrinário. Nesses casos expostos, ficou a dúvida sobre qual o fundamento do voto: independente? Autônomo? Contaminado pelo ambiente político? Contaminado pelo critério da escolha quando da nomeação?
Poderia ser registrada como fragilidade a própria existência do TSE? Se é para julgar crimes, porque não ser julgado pelos tribunais que julgam os outros crimes? O crime eleitoral não parece ser diferente, sobretudo quando os problemas em pauta são “caixa dois”, lavagem de dinheiro, recebimento de propina.
Também é uma fragilidade a porta aberta nos regimentos para que os juízes excluam provas contundentes do crime em julgamento. Se é para fazer justiça, não poderia existir a possibilidade da questão formal, rito processual, serem mais importantes do que a questão do mérito, do crime em julgamento. De fato Herman Benjamin tem razão: Juiz não é “coveiro de prova viva......”
Talvez por falta de fundamentos mais consistente para justificar a absolvição da chapa, todos que adotaram esse voto deixaram transparecer preocupação com a “estabilidade política”. Cassar o presidente poderia gerar um vazio complicado, já que ainda não há nome para o Congresso eleger no pleito indireto, posto como o caminho legal a ser seguido. Definitivamente, esse não é o papel daquela corte. Essa não era a pergunta em pauta. A pergunta referia-se a haver ou não crime de abuso econômico (oriundo de captação irregular de dinheiro para a campanha). Ao considerar aspectos externos ao processo para tentar justificar um voto traz descrédito para a instituição. E veio logo a pergunta do Joãozinho: estou confuso, a corrupção foi combatida ou legalizada?
Assim, a assumida posição de cautela, pode, ao final, gerar de fato o seu contrário, a instabilidade. Isso é o mais provável, porque acirra as manifestações “Fora Temer”, o presidente que já assumiu com elevado índice de desaprovação e que de lá para cá somente alimentou sua desaprovação. Pior, deixa no ar a pergunta sobre qual serão as consequências sobre a credibilidade da corte em face das fragilidades que foram reveladas. Se negativas, como afetará o comportamento dos políticos nas próximas eleições? Qual sinal passará para a população, que hoje acredita que a “lava a jato” combate a corrupção?
Do ponto de vista da solução imediata para que se tenha um Presidente em exercício, há de se aceitar, embora insatisfeito, que a decisão não era tão importante, posto que caberia recurso e ficaria rodando por um tempo indeterminado. Porém, isso não pode ser desculpa para jogar fora a oportunidade de mostrar para os candidatos que eventuais crimes serão punidos.
De todo modo, o cenário que está pela frente é de continuidade da falta de horizonte na política brasileira, logo de governo trabalhando. Temer não só veio de uma campanha com fraude. Foi se comprometendo para alavancar o golpe e assumir a presidência e, sentado nessa cadeira, continuou cometendo crimes conforme já denunciados em várias petições de impedimento, lembramos, por exemplo a petição formulada pela OAB. Será denunciado sem dúvida, contudo, para ser considerado réu, a Câmara terá que autorizar o processo. O que fará o Temer para obter os votos dos deputados? Uma certeza apenas temos agora: continuaremos a pagar a conta.
O que está sendo jogado em nossa cara, infelizmente, é muito mais amplo: o sistema político brasileiro foi integralmente corrompido. Há aqui e ali alguns acontecimentos positivos desde a constituição de 1988. O fortalecimento dos órgãos de fiscalização e acompanhamento, especialmente Ministério Público e Polícia Federal. Também, no segmento privado os movimentos sociais e as organizações de defesa da transparência. Se desejamos que nossos filhos e netos paguem menos as contas deixadas pelo atual sistema político, deveríamos trabalhar mais para o fortalecimento dessas instituições públicas e com mais força ainda dos movimentos sociais e de transparência.
Por fim, é impossível fechar este comentário sem render homenagens ao Ministro relator que com sua humildade disse preferir o anonimato, mas não conseguiu, porque sua competência e sólida formação o colocaram em evidência. O seu voto solidamente construído, serviu para escancarar as fragilidades e, sobretudo, o descaso com a coisa pública daqueles que tentaram desequilibrá-lo com gestos e comentários menores. Ao final foram esses que ficaram menores.
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