Aylê-Salassié F. Quintão*
A luta nas ruas transformou-se numa guerra nas estrelas ou das estrelas. A mídia faz a festa. Ao povo resta o prazer catártico dos “ showmícios”, com direito a cachorro quente e refrigerante de graça. Há quem defenda uma “repactuação”. Mas, é difícil dialogar com a cleptocracia, essas pessoas vocacionadas para a transgressão ou empoderadas pelo ego, que circulam em torno do Poder, localizando-se ora na situação, ora na oposição. É uma profissão. Portanto, encontrar uma saída para o que aí está exigirá expurgos no cenário estelar e o confinamento mais rigoroso de personagens responsáveis pelo desequilíbrio emocional coletivo.
Poucas instituições e cidadãos têm fôlego hoje de abrir uma discussão pragmática sobre a crise brasileira, pelas contradições que gerou. O espírito democrático difuso, orientado pela ambígua hastag do “politicamente correto”, liberou a máquina do Estado para a cleptocracia: esse conjunto de governantes que assalta os cofres públicos, o trabalho e os bens-comuns da Nação. Nem a lava Jato, nem o STF mandando um punhado de seus representantes para a cadeia, conseguem conter a capacidade resiliente desses personagens. Prende-se um delinquente hoje, amanhã o juiz solta. Os cleptocráticos cumprem penas em mansões particulares. A maioria não perde a oportunidade de um jantar na casa de um amigo. É patológico. A população está ficando doente junto.
Diante do quadro deprimente da governabilidade, há quem insista na queda imediata do governo. Pouco produtivo. O regime italiano faz isso com frequência, sem chegar a lugar algum. No Brasil agregaria apenas um novo capítulo à novela da mídia, prolongando a agonia da população. Na Alemanha só se derruba um governo colocando outro imediatamente no lugar. Não afeta a gestão do Estado e, muito menos, as políticas públicas, cuja administração o cidadão alemão sabe compartilhar com os governos. Por aqui, quebrou-se a mística do Estado e perdeu-se o respeito pelas autoridades, mesmo o ministro da Defesa aparecendo, cada vez mais, à sombra do presidente da República. Não sei se isso faria parte de uma repactuação...
Mas, aberto, o diálogo será inócuo se não houver uma depuração estelar e nos gastos do governo com pessoal. Em 2015 foram consumidos R$ 255,3 bilhões. Para amenizar as chantagens dos governadores, pedindo a prorrogação – eterna - das dívidas estaduais, o governo federal abriu mão de receber mais de R$ 50 bilhões. Os quadros de pessoal dos estados só crescem. A eficiência da máquina pública situa-se abaixo de 35% da sua potencialidade.
No caso do Parlamento brasileiro, estudos da Organização das Nações Unidas revelam ser ele o segundo mais caro do mundo, superado apenas pelo o dos Estados Unidos. Um parlamentar no Brasil custa US$ 4.415 milhões, contra US$ 1.191 milhão na Alemanha e, na França, US$ 1.079 milhão. A Câmara Federal, Senado, 27 assembleias legislativas e 5.564 câmaras de vereadores custam mais de R$ 30 bilhões por ano. No Judiciário, que, em matéria de gastos com recursos humanos, ocupa o 4º lugar entre os pares no planeta, alcançam 89% da despesa total. Em 2015, cada um dos 17.338 juízes custou, mensalmente, em média, R$ 46 mil aos cofres públicos. Mesmo assim, gozando de todo tipo de prerrogativa e privilégios para manter o espírito de uma justiça democrática, há ainda juízes cortando o caminho da lei, e pregando a solução final. Procuradores reivindicam protagonismos acima do universo das suspeitas sobre eles mesmos.
As propinas, esse figura extraterrestre que envolve os três Poderes, projetada por um instituto de avaliação dos gastos de Governo, desviaram no Brasil, em 20 anos, R$ 2 trilhões de recursos das políticas públicas. Os 36 partidos nadam nesse espaço trabalhando juntos para estabelecer um reino de anomia e alienação, com chavões, bordões e estigmas agressivos e desrespeitosos, sem qualquer consistência pedagógica. Não pretendem explicar, mas confundir. E, assim, acobertam ações transgressoras e ilusões sobre a democracia líquida.
Depois do espetáculo deprimente do Tribunal Superior Eleitoral, retomar as “reformas urgentes” vai requer disposição para um diálogo nas estrelas, e apurada competência técnica. O mundo político e judicial tem grande responsabilidade pelo o que está acontecendo. Ladrões, conselheiros vulgares e pelegos devem ficar fora. Não se pode reproduzir também as misérias do tal “espírito republicano”. Neste momento, seria oportuno até esquecer as frivolidades catárticas das redes e as mobilizações casuísticas, que interrompem o caminho de soluções importantes para o País.
É preciso convocar os cidadãos a ocupar seu espaço de Poder. Talvez fosse oportuno libertar as novas gerações do Ipea, FGV , IBGE, Banco central e da própria CVM para que possam introduzir modelos novos e rigorosos de gestão das políticas públicas e liderar uma discussão com a sociedade sobre a crise brasileira, nem que seja pelas redes sociais, evitando que temas gravíssimos sejam conduzidos por corporações classistas.
*Jornalista, professor, doutor em História Cultural