Fabrício Augusto de Oliveira
Não tivessem as chamadas “pedaladas fiscais” terem sido estigmatizadas durante o governo Dilma Rousseff, provavelmente o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, poderia ficar tentado a lançar mão deste artifício para mascarar as contas públicas. Afinal, os riscos de que não conseguirá cumprir a meta prometida de conter o déficit primário do setor público como um todo em R$ 143,1 bilhões, neste ano, tem se tornado cada vez mais evidentes e, caso se confirme este descumprimento, inevitavelmente a “credibilidade e reputação” da política econômica sofrerá pelos menos alguns abalos, especialmente pelo fato de o ajuste das contas públicas ter se tornado seu compromisso prioritário.
Até o mês de maio, o déficit acumulado nos últimos doze meses do ano, atingiu R$ 157,7 bilhões, correspondentes a 2,47% do PIB, mesmo já tendo realizado um contingenciamento de gastos de R$ 42 bilhões, contribuindo para elevar a dívida líquida do setor público a 48,1%, e a bruta a 72,5%. O maior problema de tudo isso é que as despesas governamentais tendem a ser maiores no segundo semestre, e como as receitas públicas têm se mostrado decepcionantes em relação às projeções realizadas, devido à continuidade do processo de recessão/estagnação da economia, a tendência é de que este quadro se agrave. Não é, no entanto, somente por isso que os gestores da política econômica se encontram em dificuldades para o atingimento da meta prometida ao mercado.
Se as receitas oriundas da atividade econômica têm se mostrado madrastas para o nível do ajuste pretendido, parceiros do próprio partido político do presidente da República, têm procurado desinflar receitas extraordinárias com as quais se contava para este objetivo. Relator do projeto do Refis, o deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), uma raposa tomando conta do galinheiro, conseguiu aprovar o projeto de regularização tributária na Câmara dos Deputados que reduz as receitas com ele esperadas de R$ 13 a 15 bilhões para apenas R$ 1 bilhão, premiando os maus pagadores, ao conceder descontos de até 99% dos encargos incidentes sobre os débitos dos contribuintes. O governo promete e pode até conseguir reverter este projeto, mas isso não ocorrerá sem desgaste junto à sua base de aliados, num momento em que estes são fundamentais no seu apoio político.
Do lado dos gastos, parcimonioso até o mês de maio com a liberação de recursos para as emendas parlamentares, o presidente da República, Michel Temer, abriu a torneira dos cofres públicos, em junho e julho, liberando R$ 2 bilhões para angariar votos da classe política, na verdade, de deputados de sua base de apoio, contra a aceitação da denúncia de corrupção a ele feita, pelo Procurador Geral da República, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mesmo que bem-sucedido nessa iniciativa, como é possível que novas denúncias sejam apresentadas contra ele, mais à frente, embora por outros crimes, essa torneira poderá continuar aberta para essa finalidade, sem se saber quando voltará a ser fechada.
Não estranha, diante disso, que a política econômica esteja novamente propondo a elevação de impostos para fechar o buraco que, no orçamento, vai aumentando muito além do inicialmente previsto. Uma medida que havia sido reiteradamente negada pelo ministro Henrique Meirelles. Se este for, de fato, o caminho que começa a ser percorrido para tentar dar uma solução para essa questão, como se trata de impostos que incidem sobre a produção e o consumo, como o PIS e a Cofins, já que neste país constitui pecado capital taxar as altas rendas por meio da tributação direta, pode-se esperar que, provavelmente além de malsucedido, certamente contribuirá para minar as poucas forças de recuperação ainda cambaleante que vinha apresentando a atividade econômica.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede e O Beltrano, e autor, entre outros, do livro “Política Econômica, Estagnação e Crise Mundial: Brasil, 1980-2010”.
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