Até alguns analistas do mercado reconhecem que a crise brasileira vai além de uma mera crise econômica conjuntural. O modelo de governabilidade política do país, instaurado desde a Nova República de Sarney, não apresenta mais saídas aceitáveis.
Vivencia-se uma explícita pulverização dos partidos políticos e da esfera política nacional gerando um vazio que deixa espaço a alternativas incertas do ponto de vista da frágil democracia brasileira. Tais aspectos estruturais no campo político trazem profundas incertezas à economia brasileira.
Adicionalmente, no próprio campo econômico, somam-se mais de quatro décadas perdidas em torno do mesmo óbice macroeconômico: o estoque de dívida pública crescente.
Sob a justificativa de equacionar esse óbice empreendeu-se, desde inicio dos 1990 e sem resultados aceitáveis, políticas de ajuste fiscal estrutural, voltadas para promover a sustentabilidade financeira da dívida. De uma maneira geral, lançou-se mão de um conjunto de reformas do Estado, privatizações e de uma política econômica compatível com a visão de Estado mínimo. Essas, desde então, tem levando a economia brasileira a becos sem saída.
Mesmo nos governos Lula e Dilma, nos quais tais orientações foram em parte flexibilizadas, manteve-se o cerne do modelo econômico neoliberal.
Não obstante os pífios resultados econômicos da alternativa neoliberal que tem predominado no país desde 1990, o impeachment de Dilma, entre 2015/2016, e a crise política a ele associada e ainda vigente, geraram um amargo sabor de que não se pode mais desviar um mínimo que seja dessa perspectiva econômica. A visão de que é o aprofundamento das reformas neoliberais a única saída para o país tem ganhado cada vez mais adeptos, promovida por meios de comunicação fortemente alinhados a esses interesses.
O governo Temer é exatamente a oportunidade política encontrada pelos grandes beneficiários desse modelo econômico para um aprofundamento cabal do mesmo. Aquelas que ainda não haviam sido empreendidas a fundo, como a Reforma Trabalhista e a Reforma Previdenciária, passaram a ser pautadas no Executivo Federal e no Congresso diretamente pelos próprios interessados.
A reforma trabalhista, recém aprovada no mês de julho, altera em profundidade o mercado de trabalho no país. Os seus impactos, sob uma realidade de alta informalidade e num contexto de profunda crise econômica e acentuado desemprego, tendem a agudizar a precarização do trabalho no Brasil.
Nem os seus defensores, notoriamente a FIESP, conseguem convencer de que tal reforma elevará o nível de emprego e investimentos no país, conforme o governo promete. Pesquisa feita pela FIESP em abril de 2017 mostra que mais de dois terços dos empresários de indústrias de todas as faixas de tamanho não consideram que a Reforma trabalhista elevará contratações ou promoverá investimentos.
A Reforma da Previdência, por outro lado, encontra maiores resistências na sociedade e sua apreciação pelo Congresso tem sido seguidamente postergada a cada crise política que se instaura. Não obstante, como ela é uma das maiores razões do próprio governo Temer, a chance de sua aprovação não parece ser desprezível. Por outro lado, os indicadores fiscais recentes evidenciam que a situação fiscal do governo se deteriorou, no curto prazo, e se atrelou a limites estritos, no longo prazo, face ao estabelecimento, em fins de 2016, de um teto de gastos não financeiros por 20 anos.
Outra frente de mudanças estruturais empreendida pelo governo Temer e menos destacada pela imprensa é a alteração qualitativa no papel do BNDES. A nova forma de cálculo da taxa de juros especifica utilizada pelo banco governamental vai ser alinhada gradualmente à remuneração de títulos do tesouro direto. Isso cancela a função do BNDES de financiador do investimento produtivo de LP. A tendência é que esta instituição se transforme num banco com lógica de atuação privada e cuja função ainda não está evidente neste momento.
Num quadro claramente desfavorável ao trabalho, o contexto atual pode ser interpretado de diferentes pontos de vista, a depender de quem projete o cenário futuro. O governo encarna um otimismo excessivo, o mercado opta pela cautela mas parece ser o pessimismo a posição mais afinada com as elevadas incertezas no país.
Os sinais de recuperação da economia brasileira, ou o que é pior, os sinais de uma reversão do quadro estrutural de entraves ao crescimento econômico, estão distantes de serem dados. Eles mais são consequências do duro ajuste recessivo vivenciado desde 2015, com impactos que reduzem a inflação e ampliam o superávit comercial pela forte contração interna.
A queda da inflação, celebrada por muitos, no contexto atual revela de fato uma intensificação da fragilidade da economia brasileira. Mas do que um reflexo da redução da taxa básica de juros ela se explica pelo próprio quadro recessivo, resultando numa taxa real em patamares ainda bem acima dos padrões internacionais.
Por fim, nas contas externas do país, o superávit comercial recentemente verificado não requer comemorações. Também consequente do processo recessivo interno não é suficiente para evitar um déficit maior no balanço de pagamentos. A evidente fuga de capitais detectada em 2016 se manifesta na sensível queda das captações líquidas de investimentos de portfólio. Por essas razões, também no campo externo, o que parece positivo está longe de sê-lo.
Em síntese, a Economia Brasileira encontra-se ainda em compasso de espera frente às indefinições que cercam o quadro político e econômico nacional. Ela não manifesta sinais concretos de uma recuperação significativa e, o que é pior, vivencia um reordenamento estrutural que caminha no sentido de um aprofundamento das reformas neoliberais. Esse aprofundamento ocorre à revelia de processos legitimadores do ponto de vista político, evidenciando a fragilidade da democracia no país bem como a baixa mobilização das forças políticas que vem sendo altamente prejudicadas pelas mudanças em curso.
(Baseado na apresentação do Boletim de Conjuntura Economia/UFES n. 56 – julho de 2017).
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!