Por Guilherme Henrique Pereira*
O Governo e sua funcionalidade nas economias capitalistas é um tema com muitos debates e quase nenhum consenso. Para os manuais de economia, o Governo é um ente autônomo, um dado das equações que subtrai parte da renda gerada para realizar gastos em serviços e investimentos indivisíveis ou bens necessários, porém, sem interesse como mercadoria a ser produzida pelo setor privado.
No entanto, essa simplicidade embora possível de ser lida em alguns autores seminais, passa muito longe da grande maioria dos fundadores da economia política. Para essa maioria, sua funcionalidade deve ir além, ora como regulador dos negócios, ora como promotor imprescindível do desenvolvimento, ora como corretor dos ciclos econômicos, ou todos essas juntas. Para outros, apenas ferramenta de sustentação da valorização dos capitais.
De qualquer modo, pode-se falar em um campo de conhecimento, o da formulação e implementação das políticas econômicas, que amplifica o debate e também o dissenso. Longe de ser somente uma questão de técnica, a dimensão implícita da política nesse debate se torna muito relevante nos países com regimes democráticos. Assim, o inextricável território da articulação entre interesses públicos e interesses privados se coloca como objeto de estudo para quem deseja compreender os propósitos e resultados das políticas governamentais.
Em uma proposição muito simplificada, retornemos ao que podemos chamar dos polos principais desse debate: de um lado os que acreditam, como matéria de fé messiânica, que o nosso sistema pode funcionar muito melhor se não houver as políticas de governo – os liberais -. No outro polo, os que entendem que, principalmente, os países de industrialização atrasada, só conseguirão reduzir a distância em termos de bem-estar se o governo tiver uma atuação ativa na promoção do investimento – os desenvolvimentistas-. A experiência histórica parece apoiar claramente os argumentos teóricos em favor de maior presença do Estado na economia.
Mesmo a crítica liberal não é muito rica em argumentos teóricos ou apresentação de experiência de outros países, ao contrário, ela se concentra em mostrar os perigos e problemas que podem surgir dessa relação pública/privada. Como se dissesse, de fato, é necessária uma maior presença do Estado para que o capitalismo nacional se estabeleça, mas, o problema é que não se consegue essa implementação sem que ocorram desvios e desequilíbrios éticos nessa relação de funcionários públicos e empresários que, inevitavelmente, interagirão nos ambientes de formulação das políticas. E aí está uma argumentação realmente difícil de ser enfrentada pelo desenvolvimentistas. O Brasil da atualidade está demostrando com muitas evidências o quanto o tema é desafiador.
Os instrumentos utilizados pelas políticas governamentais de subsídios, incentivos fiscais, concessões, licenciamentos, tratamentos tributários diferenciados, e empréstimos a longo prazo que, inevitavelmente requerem funcionários públicos para gerenciar, de um lado e, de outro, empresários, via de regra preocupados em aumentar rapidamente sua riqueza, formam um ambiente muito fértil ao surgimento do que vem sendo definido como capitalismo de compadrio. A expressão já começa a ser bastante utilizada e já ganhou definição na Wikipédia que prefiro transcrever para evitar uma explicação amadora:
"O capitalismo clientelista, ou capitalismo de compadrio, é um termo que descreve uma economia em que o sucesso nos negócios depende das estreitas relações entre os empresários e funcionários do governo. Isto pode ser demonstrado pelo favoritismo na distribuição de autorizações legais, nos subsídios do governo, nos incentivos fiscais especiais, ou outras formas de dirigismo. Acredita-se que capitalismo clientelista surja quando o fisiologismo político transborda para o mundo empresarial; as amizades interesseiras e os laços familiares entre os empresários e o governo influenciam a economia e a sociedade na medida em que corrompe os ideais de bem público econômico e político.
O termo "capitalismo clientelista" teve um impacto significativo na esfera pública como uma explicação da crise financeira de 1997. Também é usado em todo o mundo para descrever praticamente quaisquer decisões governamentais que favoreçam os "companheiros" das autoridades do governo. "
A impessoalidade prevista como princípio para a Administração Pública, cede lugar para o “Compadrio”, termo tomado emprestado da esfera das relações familiares e que revela uma conotação de favorecimento. Portanto, uma transgressão que se torna fonte da corrupção.
Outra expressão encontrada nos textos em inglês, bem utilizada entre os economistas, é “Rent-seeking”, um tipo especial de empresário/negócio que só é capaz de se viabilizar através de bons contatos políticos. Pode variar desde a corrupção explícita, falhas propositais na legislação para facilitar, até à transferência de patrimônio público para empresas a preço subestimados.
Colocando a questão em termos já utilizados no Brasil: a economia é como um bolo, primeiro tem que crescer para depois ser distribuído Para o capitalista de compadrio, o bolo nunca ficará grande o suficiente para distribuir, porque isso poderia significar diminuir a sua fatia. Não foi para isso que “investiu” no financiamento da campanhas eleitorais.
O caso da JBS se coloca para a nossa leitura como exemplo contundente dos desvios verificados no ambiente de formulação das políticas. De uma boa proposta de desenvolvimento, voltada para a construção de corporações multinacionais, como forma de abrir mercados para o Brasil, o que se viu foi um completo desvirtuamento. O grupo recebeu montantes elevadíssimos de crédito barato, tratamento privilegiado em várias instâncias, mas no fundo tratava-se apenas de um “Rent-seeking”, corrompeu agentes públicos e simplesmente transferiu seus ativos para fora do país quando viu ameaçada a possibilidade de continuar comprando o poder. Não sem antes maximizar seus ganhos com operações de câmbio e ações, envolvendo um novo gênero de informação privilegiada, crise política provocada por ele mesmo ao desfazer a sociedade mantida com seus compadres da política.
O desafio que está diante de nós é como construir um modelo que não permita a formação dessas “elites de araque”, formadas por “caçadores de rendas” que habitam os ambientes da política, da gestão pública e dos negócios corrompidos.
* Professor, Doutor em Ciências Econômicas.