Por Anaximandro Amorim
É difícil este ofício de cronista: quando não se é acometido pelo mal da falta de ideias, às vezes, se é pelo da repetição. Já me cansei de escrever sobre a estupidez humana. Mas, em todo caso, convenhamos que ela é parte inseparável da nossa condição. Enfim, com medo de perder o time, escreveria sobre a lei das “exposições pornográficas” (Projeto de Lei nº 383/17, da Assembleia Legislativa) e sobre o “Caso da Thayná”, ambos aqui do Espírito Santo. Deixei passar um tempo. Não é que os dois assuntos continuam atuais?
Sabe, leitor, eu tenho uma teoria: a diferença entre o que é pornográfico ou não são os meus olhos. Uma estátua de um homem nu em pelo; uma tela de uma vagina; um romance em que um cara se apaixona por uma menina de 16 anos podem ser excelentes exemplos de pornográfico se não se tratassem do “Davi” de Michelangelo; da “Origem do Mundo” de Courbet; ou “Lolita” de Nabokov. A diferença é que o tempo botou ordem nas coisas. Encarar quaisquer uma dessas obras como pornográficas é no mínimo risível.
Não estou fazendo qualquer apologia a um “peladão do museu”, lá no MAM de São Paulo. Se aquilo foi ou não arte, não cabe a mim julgar. Há quem o considere da mesma forma que há quem considere um Jorge Amado pornográfico. Mas me espanta perceber que estão crucificando o “artista”. E essa mãe, que deixou uma filha menor entrar nesse museu? Cadê ela? Acaso ninguém se lembra de um negócio chamado “classificação etária”? É só levar a cabo, não precisa inventar “lei de exposição pornográfica”. A “caça às bruxas” já levou à Inquisição, à “Arte Degenerada” do Nazismo. Será que estamos à beira de outro?
Falando em mãe e em caça às bruxas, o assassinato da menina Thayná, deveria comover a todos. Mas, sempre há a parcela daqueles que são menos humanos do que nós. Em terras de redes sociais, todo mundo tem seu próprio tribunal (que costuma ser implacável). A sentença já foi prolatada: se a mãe mexeu com drogas, pare de buscar a filha. Que eu saiba, o erro dos pais não é hereditário. O que uma menina de onze anos tem a ver com isso? E essa mãe, não tem o direito de se arrepender? Recadinho para aqueles que adoram citar o Livro Sagrado: “não julgueis para não serem julgados”. Mas eu sempre me esqueço que meu Cristo costuma ser melhor que o seu.
Dois homens adultos, solteiros, que dividiam a mesma namorada e tinham um filho adotivo. Espantado? Pois quem tem mais de 30 anos vai se lembrar que esse era o enredo do seriado “Armação Ilimitada”, que fazia a cabeça da galera dos anos 1980. Um aluno me lembrou disso e de como um programa (tão legal) como esse seria execrado nesta época de (falso) moralismo. Tem horas que eu acho que estamos andando para trás, para uma época em que “melhores intenções” podem deslanchar uma onda de intolerância como nunca já se viu. A coisa começa com os artistas; passa para as minorias; e perde o controle. Ninguém está acima do bem e do mal. Atire o primeiro celular quem não tem um nude.
*Advogado e Escritor.
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