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No começo do próximo ano, entrará em vigor a nova taxa de juros para os empréstimos do BNDES, a Taxa de Longo Prazo (TLP), substituindo à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Enquanto essa última está fixada em 7% a.a. pelo governo, a primeira acompanhará as remunerações reais das Notas do Tesouro Nacional Série B (NTN-B) de cinco anos corrigidas pela inflação (IPCA). Contudo, a mudança não será imediata. De início, a TLP será igual a TJLP, sendo corrigida durante cinco anos até igualar-se à soma da taxa de juros da NTN-B com o IPCA.
Hoje, o NTN-B de cinco anos oferece taxa de remuneração de 4,99%, enquanto a expectativa do mercado para o IPCA em 2018 é de 4,02%. Realizando um exercício especulativo, caso a nova taxa valesse por completo logo em 2018, estaria em torno de 9,01% a.a. Trata-se de um “exercício especulativo” não porque a TLP será outra no momento de sua vigência, mas sim porque se trata de uma taxa que oscila de acordo com a arbitrariedade do mercado, conforme insuspeito semanário já destacou. Nesse caso, o argumento do Ministério da Fazenda, acompanhando diversos economistas, de que a TLP solucionará a “arbitrariedade” na fixação da taxa de juros de longo prazo é enfraquecido. Até porque, trocar o arbítrio do governo pelo do mercado não resolve o “problema” da sujeição da taxa de juros para empréstimos de longo prazo à “política”, apenas muda o agente “político”.
Contudo, deve-se reconhecer que o argumento oficial do subsídio aos empréstimos é correto, quando se trata de recursos oriundos de aporte do Tesouro Nacional junto ao BNDES (R$ 29,1 bilhões no ano passado).
Acrescenta-se que, enquanto aplicadores recebem, em média, a taxa de juros implícita, cuja média real para setembro desse ano ficou em 12,5% a.a., o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) permanece remunerado à 7% a.a., de forma que a TLP tende a diminuir a distância entre as duas remunerações, reduzindo o subsídio dos trabalhadores aos empréstimos de longo prazo.
Entretanto, o encarecimento desse empréstimo é o principal objeto de controvérsia na mudança da TJLP para a TLP. Isso porque, na última década, o BNDES foi o principal parceiro dos investimentos de infraestrutura, sejam privados e/ou públicos, que contribuíram para o crescimento, nesse período, do emprego e da renda da economia brasileira.
Resultado que justificaria seu custo (R$ 116 bilhões gastos de 2008 até 2016, segundo o próprio governo). Ainda mais quando há outras sangrias dos cofres da União que são ainda mais deletérias para sua saúde financeira, tais como os R$ 545 bilhões devidos pelas empresas referentes à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – imposto fundamental para compor o orçamento da Previdência Social – ou os R$ 1,63 trilhões em títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional que estão na carteira do BACEN – órgão do próprio governo – custando ao tesouro a taxa Selic.
No primeiro caso, cabe ressaltar que o imposto foi recolhido pelas empresas, que não repassaram o valor devido para a União. Hoje, algumas delas são massa falida, mas ainda há empresas em operação que poderiam ser cobradas dos seus débitos. Essa sonegação é estimulada pelo próprio governo, pois, em seu último Programa Especial de Regularização Tributária (PERT) pretende abrir mão de arrecadar R$ 543 bilhões para receber R$ 0,5 bilhões, à vista. Um desconto de aproximadamente 99,90% para os empresários.
Sobre os títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional, sabe-se que eles exercem a função de acomodar as operações diárias do sistema bancário, garantido estabilidade e previsibilidade de sua rentabilidade. A propósito, no terceiro trimestre desse ano, o lucro contábil dos maiores bancos brasileiros (incluso perdas não previstas) ficou em R$ 13,6 bilhões, alta de 10,4% em relação ao mesmo trimestre do ano passado. Enquanto suas dívidas com a União somam R$ 124,4 bilhões.
Os críticos à mudança da TJLP para a TLP poderiam argumentar, portanto, que, se o problema está no custo para os cofres públicos do “subsídio”, seria melhor atacar essas sangrias do orçamento público federal antes de modificar um instrumento que assegura fundo para investimento de longo prazo e, assim, desenvolvimento da estrutura produtiva brasileira.
Faz-se necessário, todavia, ampliar o foco da análise. A Emenda Constitucional 95 (EC 95/2016), que instituiu o teto para os gastos não financeiros da União, sinalizou para a liberação do orçamento para os gastos financeiros – além das “despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes”. Tais empresas estatais nada mais são do que aquelas em que “a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto”. Assegurando recursos para tais empresas, como a Petrobras, a Furnas e o BNDES, por exemplo, pilares do desenvolvimento econômico brasileiro recente.
Somada a EC 95/2016, há a tentativa de transformar a dívida ativa das empresas privadas com a União (por exemplo, os débitos com o CSLL) em títulos financeiros. A emissão primária desses títulos pode ficar, por sua vez, a cargo de uma empresa estatal não dependente. Na medida em que não mais figura como banco de financiamento dos investimentos de longo prazo, o BNDES poderia ser um forte candidato para ocupar a administração desses títulos, cuja emissão se dá em condições bem vantajosas para o setor privado.
Em síntese, as decisões hora em curso retomam a reorientação do papel histórico do BNDES de financiador do capital produtivo, tal como ocorreu ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso. Na atualidade, todavia, com a particularidade de reforçar um dos aspectos chaves da nova posição do Brasil na divisão internacional do trabalho: o de ser o paraíso da acumulação de capital fictício.
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