A tendência à desaceleração inflacionária dos últimos meses pode parecer altamente favorável ao leigo. De um ponto de vista estritamente conjuntural e quantitativo essa tendência se manteve ao longo deste ano e até o mês de novembro. Os principais índices atingiram patamares bastante baixos, inferiores ao centro da meta de inflação, de 4,5% (que será reduzida a 4,25% em 2019, e a 4% em 2020).
A inflação acumulada entre janeiro e novembro de 2017, segundo o IPCA, foi de 2,5%, inferior à registrada no mesmo período do ano anterior, de 6,26%.
O grupo Alimentos teve um peso decisivo na determinação dessa trajetória, em grande medida em função de uma safra agrícola particularmente boa. Dentre os fatores que impediram uma redução da inflação ainda maior, pode-se constatar os reajustes nos preços dos produtos farmacêuticos e dos planos de saúde, bem como a liberação de saques do FGTS e do PIS/PASEP. Ademais, a despeito da elevação das tarifas de energia elétrica, bem como da expectativa de uma safra agrícola menor no próximo ano, no curto prazo não parece haver uma tendência a uma expressiva aceleração inflacionária.
Uma análise mais cuidadosa e qualitativa pode trazer a tona o que nem sempre é evidente. Depois da terrível experiência inflacionária que teve seu auge nos primeiros anos da década de 1990, debelada pelo Plano Real, tornou-se comum no Brasil tratar a inflação de modo maniqueísta e como fenômeno isolado, como se fosse a fonte de todos os males econômicos, e como se houvesse a possibilidade de compreendê-lo por si só, sem considerar sua articulação com outros determinantes conjunturais e estruturais da economia.
Assim, uma aceleração inflacionária logo provoca reações virulentas, sendo tomada como sinônimo de irresponsabilidade e incompetência dos governos, que penalizaria fortemente as camadas mais pauperizadas da população. Do mesmo modo, uma desaceleração inflacionária é cantada em prosa e verso como prova dos acertos governamentais e como indicativo de um futuro luminoso para a economia.
A trajetória fortemente descendente da inflação no último período tornou-se uma poderosa peça de propaganda governamental. Resta saber se tal desaceleração é realmente um indicador e um resultado da ação estatal, no sentido da mobilização de um conjunto de políticas econômicas consistentes, e também se, dentro de um contexto mais amplo, essa trajetória indica um quadro virtuoso, ou se existem aí elementos problemáticos.
Destaca-se a seguir dois exemplos das tratativas otimistas sobre a inflação atual. Na abertura da edição de setembro de 2017 da Carta de Conjuntura do IPEA, lê-se que "ao longo dos últimos meses, o processo de desinflação da economia brasileira continuou a surpreender positivamente". Além disso, que "a expectativa para o restante do ano é de uma inflação bem comportada, em patamar próximo a 3,5%". No entanto, esse tom entusiástico contrasta com a explicação dessa trajetória: "o aumento da oferta de alimentos e o baixo dinamismo da demanda doméstica vêm possibilitando uma queda contínua dos preços de bens e serviços livres".
Com base em um arcabouço analítico mais completo, recente relatório de inflação do Banco Central, publicado em setembro, comemora uma "recuperação gradual da atividade econômica", uma "situação robusta" do balanço de pagamentos e um "ambiente com inflação baixa". Dentre os fatores que explicariam essa promissora situação, fala-se de uma expansão significativa do consumo das famílias"; de um "aumento da massa de rendimentos reais"; de um recuo da taxa de desemprego; de um ambiente internacional favorável, com a retomada do crescimento econômico em termos globais; e de um aumento na confiança do empresariado.
Não obstante, ao desenvolver essa análise, o mesmo relatório apresenta informações que complexificam tal diagnóstico: a) o crescimento do PIB brasileiro no segundo semestre de 2017 foi de apenas 0,2% em relação ao trimestre anterior, depois daquela que tem sido considerada a pior recessão da história do país; b) houve uma queda de 6,5% dos investimentos no segundo semestre de 2017 em comparação com o primeiro semestre do ano; c) a Formação Bruta de Capital Fixo recuou 0,7% nesse período, acumulando uma queda de 29,7% desde o terceiro trimestre de 2013; d) a balança comercial favoreceu o balanço de pagamentos devido ao bom desempenho das commodities exportadas pelo Brasil, mas também a um forte "recuo nas importações de bens de capital"; e) o Nível de Utilização da Capacidade Instalada da indústria de transformação manteve-se relativamente estável, em um nível bastante elevado, registrando uma média de 74,3% entre junho e agosto de 2017; f) o saldo das operações de crédito do sistema financeiro diminuiu 0,3% no trimestre encerrado em julho".
Em suma, no limite, ambos os documentos dão conta de que a redução das taxas de inflação decorre fundamentalmente do péssimo desempenho da economia brasileira, que apresenta um nível de atividade baixíssimo num contexto de grandes constrangimentos estruturais, expressos na dependência em relação à produção de commodities e em pífios níveis de investimentos produtivos.
Logo, a inflação não pode ser considerada de modo independente de outras características da economia brasileira, e tampouco tratada de modo binário; muito mais do que um motivo para se comemorar, a recente trajetória da inflação parece ser motivo de apreensão, e indica a necessidade de mudanças estruturais na economia brasileira, que não despontam no horizonte.
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!