Por Fabrício Augusto de Oliveira*
De acordo com o Comitê de Datação dos Ciclos Econômicos (CODACE) da Fundação Getúlio Vergas (FGV), o Brasil, com os dados divulgados sobre o desempenho do PIB no terceiro trimestre deste ano, saiu da recessão em que havia mergulhado desde o primeiro trimestre de 2014. Apesar da irrisória taxa de crescimento neste período, de 0,1%, ela se soma às taxas também positivas de 1,3%, no primeiro trimestre, e de 0,7% no segundo, números revistos pelo IBGE, propiciando a projeção mais otimista de expansão de 1% da economia em 2017.
Nada mal para uma economia que durante onze trimestres vinha apresentando desempenho negativo, só igualável, em termos de duração, à do período de 1989-1992, e, de intensidade, com a contração de 8,2% do produto, após a revisão dos dados feita pelo IBGE, só perdendo para o período da crise da dívida externa de 1981-1983. Isso não compromete, contudo, o fato de que essa recessão deve figurar, na histórica econômica, como uma das mais graves que o país já conheceu, por que o tempo de recuperação da economia, ou seja, de seu retorno ao nível do PIB pré-crise deve bater todos os recordes existentes.
Pelo andar da carruagem, no caso de a economia crescer 1% em 2017 e 2% entre 2018 e 2021, somente neste último ano o país retornaria à situação pré-crise, somando vinte trimestres de recuperação. Se, numa projeção mais otimista, diante do quadro de incertezas econômicas e políticas reinantes no país, o crescimento chegar a 3% ao ano, ainda assim serão necessários dezesseis trimestres para se retornar à situação do primeiro trimestre de 2014, início da recessão, ou seja, daqui a três anos. Nenhuma recuperação das crises na história do país levou tanto tempo.
Isso significa que não se pode contar com um céu de brigadeiro para os próximos anos como conquista da política econômica de transformação que o governo tem insistido em vender para a população, cobrando de seu sucessor a defesa de um hipotético legado que, para ele, deixará. Mesmo esse maior otimismo que brota dos números ainda tímidos de recuperação ainda terá de passar pela prova dos nove em 2018, um ano que certamente continuará marcado por grandes sobressaltos com a continuidade da crise política, agravada pela insegurança jurídica sobre os candidatos a presidente e ainda por se tratar de um ano eleitoral. Caso neste ambiente nenhuma outra reforma prospere, o que é mais provável, até mesmo o mercado, o maior defensor das políticas ortodoxas do governo Temer, poderá ver seu ânimo arrefecer.
A bem da verdade, a economia conta, hoje, com algumas condições macroeconômicas favoráveis para estimular o crescimento econômico: baixa taxa de inflação, que protege o valor real dos salários dos efeitos corrosivos da alta de preços; juros nominais mais reduzidos, de 7%, que jogam a favor do consumo e dos investimentos; déficit externo de 0,5% do PIB, combinado com reservas externas de US$ 381 bilhões, que afasta os riscos de a mesma ser sacudida por crises de origem externa; e ainda a expectativa otimista do mercado de que mais alguma reforma pode prosperar, o que tem aumentado os índices de confiança de vários setores sobre o seu futuro.
Essas melhores condições não têm sido, no entanto, suficientes para impulsionar com maior força a atividade econômica, como tem revelado a lenta recuperação que vem se registrando, e nem para garantir que essa trajetória seja mantida. Isso só ocorrerá quando o consumo das famílias demonstrar maior força e seus efeitos chegarem aos investimentos, os quais, por enquanto, só neste último trimestre, começaram a dar sinais de vida, ao crescerem 1,6% em relação ao trimestre anterior. Ainda é muito pouco, mesmo por que alguns dos fatores que impulsionaram o consumo, como a liberação de apreciáveis recursos das contas inativas do FGTS e os saques do PIS/Pasep não devem se repetir.
A maior prova dos nove para a política econômica mostrar sua consistência reside, contudo, na questão fiscal. Mesmo com o congelamento dos gastos primários do governo federal por vinte anos (EC 95/16), com os cortes dos gastos com investimentos públicos e dos contingenciamentos feitos, a situação das contas públicas tem piorado progressivamente, com a dívida pública bruta do setor público como um todo rumando inexoravelmente para a casa dos 80% do PIB. Se a reforma da previdência não for adiante no governo Temer, o que hoje parece provável, um novo rebaixamento da nota de crédito do país pelas agências de rating será inevitável, alerta já feito pelas mesmas. E, neste caso, não haverá como impedir a contaminação da economia por uma nova onda de pessimismo.
As projeções do crescimento para o Brasil em 2018 têm oscilado entre 2% e 2,7%. Por enquanto, no entanto, não passa de uma aposta baseada na hipótese de que as coisas continuem caminhando bem com as reformas e com a economia. Dificilmente, no entanto, o país conseguirá atravessar este período sem maiores solavancos, surfando no céu de brigadeiro enganoso das propagandas do governo Temer. Mais prudente é controlar a ciclotimia característica do brasileiro e acreditar que se as coisas deixaram de piorar, podem até melhorar, para evitar maiores decepções.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colaborador do Debates em Rede e O Beltrano, e autor, entre outros, do livro “Política Econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”.
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