Por Ricardo Coelho dos Santos
Em todo início de ano, costumo anunciar que tomei a resolução de deixar meus bigodes crescerem. Acabo sempre voltando da decisão depois de um sem número de ameaças, que vão do divórcio ao não muito honroso quadro de piada do ano na Internet: o que hoje é chamado de “meme”.
Na verdade, fazem 42 anos que não deixo meu bigode crescer. Eu já me acho com uma cara ridícula, imaginem de bigode? Além do mais, não quero ficar pensando num dos grandes mistérios da vida: como é que um bigode, vinte anos mais jovem que os cabelos, fica branco junto? A resposta mais convincente me foi dada por um colega: “Os bigodes são mais experientes…”. Entendam como quiserem!
Mas o assunto aqui é cinema, e não podemos deixar de citar a importância desse anexo facial masculino nas telas. Eu gostaria de saber se um bigode possui algum significado oculto ou quando esse começou realmente a ser um ícone da moda. Todavia, não podemos deixar de lado sua importância fundamental na marcação das figuras mais icônicas do cinema mundial.
Comecemos pelo mais famoso dos bigodes: Charles Chaplin. O genial ator, diretor e compositor inglês, que fez sua fama nos Estados Unidos no papel de Carlitos (“The Tramp”), usava um ridículo bigode que parecia o cruzamento de um limpa-trilhos com um esfregão. Era postiço, para dar efeito na figura do personagem, e deu certo! Deu tanto certo que foi um passo genial, único e oportunista ele representar Adenoid Hynkel, paródia de Adolf Hitler, em “O Grande Ditador” em 1940. Os bigodes de ambos eram coincidentemente parecidos!
Do bigode mais famoso do cinema, passemos para o mais famoso da literatura: tão famoso que virou moda estar estampado em camisetas e os livros do personagem levavam essa marca: o bigode militar, encimado por um chapéu-coco: o detetive belga Hercule Poirot.
Esse personagem da incomparável escritora inglesa Agatha Christie, estreou em 1916 em “O Misterioso Caso de Styles” de forma tão contundente que a legislação inglesa teve de ser alterada. Na época, Poirot tinha um parceiro, Arthur Hastings, que se manteve em poucos livros, como se fosse um paralelo do Dr. Watson. Poirot talvez tenha sido o único detetive da ficção que tenha empatado em fama com Sherlock Holmes.
Poirot já surgiu em vários filmes de sucesso, como a primeira versão de “Assassinato no Expresso do Oriente” de 1974, interpretado por uma constelação de astros sob a regência de Sidney Lumet, responsável por vários sucessos como “Um Dia de Cão”. No papel do detetive, a interpretação magistral de Albert Finney, indicado ao Oscar pela atuação. Tinha ainda Lauren Bacall, Martin Balsam, Ingrid Bergman — que foi premiada com o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante —, Anthony Perkins, Jacqueline Bisset, Jean-Pierre Cassel, Sean Connery, John Gielgud, Vanessa Redgrave, Richard Widmark e Michael York — todos de primeira grandeza e famosos na época.
Em 1989, Poirot surgiria na pele do ator David Suchet, numa série televisiva britânica da ITV. Para a televisão, também surgiria uma refilmagem de “Assassinato no Expresso do Oriente”, com Poirot revivido pelo shakespeariano Alfred Molina, numa peça que ainda teria os ícones Leslie Caron e Peter Strauss.
Outros filmes de Poirot foram realizados, sem o mesmo impacto do de 1974. Temos “Morte no Nilo” e “Assassinato em um Dia de Sol”, “Treze à Mesa”, “A Extravagância do Morto”, “Tragédia em Três Atos” e “Encontro com a Morte” — todos, com o detetive sob a interpretação do magistral Peter Ustinov.
O mais recente “Assassinato no Expresso do Oriente” é um grande filme! Bem dirigido e com interpretações magníficas, mas com um roteiro um tanto decepcionante. A direção e o papel do detetive foram realizações perfeitas de Kenneth Branagh, com os fabulosos Johnny Depp, Michele Pfeiffer — trabalho fantástico, podemos dizer —, Juddi Dench, Derek Jacobi, Penélope Cruz, Willen Dafoe e mais os novatos Josh Gad, conhecido pela voz original do boneco de neve Olaf, em “Frozen” e no papel de Le Fou, amigo de Gaston, na filmagem de “A Bela e a Fera”, mais Daisy Ridley, a nova Jedi, Rey, da última trilogia de “Guerra nas Estrelas”. O ponto fraco, fraquíssimo, desse filme foi a deturpação da personalidade de Poirot: no original, ele é deliciosamente arrogante, comilão, convencido e adora crimes misteriosos, tendo um prazer mórbido não do crime em si, mas de revelá-lo, o que sempre faz diante uma plateia. Na versão mais nova, exageraram um pouco no bigode e fizeram-no um pouco mais físico, e não só puramente intelectual. Mas o prazer de descobrir a autoria do crime, que o fazia dar um sorriso reforçado pelos bigodes, o que Albert Finney e Peter Ustinov tão bem souberam fazer, foi desprezado nessa versão. Uma pena! Mas continua sendo um bom filme, que faz valer o preço do ingresso.
Mas, falando tanto de Poirot, estávamos esquecendo os bigodes. E quero falar de mais dois.
O primeiro cabe a um ator horrorosamente feio, mas foi a primeira escolha do produtor para fazer um dos filmes que se tornaram clássicos dos clássicos: “…E O Vento Levou”. Então, falamos do galã Clark Gable, que, por motivos da sua agenda pessoal, as filmagens sofreram um atraso de dois anos. Porém, quando o vemos dando um sorriso cínico, reforçado pelo bigode, que veio a se tornar emblemático e, talvez, inimitável, há de se ver que esse foi um investimento com excelente retorno. A atriz Vivien Leigh, por exemplo, não foi uma escolha imediata. Teve de passar por uma seleção de mais de mil mulheres para o papel que lhe rendeu um Oscar.
E o outro bigode é o de hoje pouco famoso modelo e ator nascido em Nova Iorque, Armando Joseph Catalano. Podemos ajudar o leitor dando seu nome artístico: Guy Williams. Vou ajudar mais: ele foi a acertada escolha da Disney, pela sua beleza e atuação, para o papel de Zorro. Na verdade, a escolha de Walt Disney coube a outro ator, mas uma das marcas registradas do cineasta é que ele sabia escutar a equipe e Williams se tornou um astro da televisão. Seu bigode com um sorriso que mostrava confiança e coragem inspiraram jovens do mundo inteiro. Uma curiosidade: o ator escolhido por Disney também trabalhou na série, no papel de Capitão Monastário. Seu nome era Britt Lomond, que veio, mais tarde, trabalhar nas produções de “Em Algum Lugar do Passado” e “Battlestar Galactica”, além da série “Os Waltons”.
Walt Disney, aliás, possuía um bigode tão simbólico que se tornou o único tipo de aditivo facial permitido aos empregados da sua enorme companhia.
Voltando a Guy Williams, ele ainda faria, mas sem bigode, o papel do Professor John Robinson, o principal de outro grande sucesso: “Perdidos no Espaço”. Atuou junto com Jonathan Harris que, no papel do Dr. Smith, ofuscou a ele e todos os demais personagens com exceção de B9, o robô.
Assim, no final, fica a dúvida: será que o bigode reforça o charme e o sorriso? Torna o homem mais misterioso por esconder uma parte do rosto? Nesse segundo caso, a barba não seria melhor?
Creio que jamais saberei da resposta. Nem por mim e, muito menos, por minha família! Tratarei de outra resolução para 2018!