Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Donald Trump conseguiu aprovar a sua proposta de reforma tributária nos Estados Unidos em dezembro de 2017. Não se trata de uma reforma que tenha qualquer preocupação com a questão da justiça fiscal e com uma melhor distribuição do ônus tributário entre os norte-americanos. Mesmos os economistas da Universidade de Chicago, centro de excelência do pensamento neoliberal, preocupados com os seus efeitos sobre a dívida pública, concordam que a reforma de Trump pode prejudicar a economia dos Estados Unidos e aumentar a concentração de renda por favorecer os mais ricos.
Cerca de 400 milionários norte-americanos assinaram um manifesto contra a reforma de Trump. Para eles, “propostas dessa natureza, que beneficiam os mais ricos, exacerbariam a atual distribuição de renda nos Estados Unidos, em que a parcela de 1% mais rica detém 42% da riqueza”. Entre estes milionários, figuram George Soros, Warren Buffett, Steven Rockfeller, Bem Cohen e Robert Crandall, que entendem de capitalismo e de seus defeitos congênitos, que podem conduzir ao seu colapso, mas não foram ouvidos.
Trump e seus assessores econômicos defendem que a reforma aprovada vai gerar mais crescimento e que a perda de arrecadação estimada de US$ 1,5 trilhão em dez anos será compensada com o aumento do consumo e dos investimentos. Uma falácia. Bob Crandall, um dos assinantes do manifesto, colocou isso de forma clara: “Tenho uma renda alta. Se ela sobe, não vou investir mais. Simplesmente vou poupar mais”. Evidências históricas desmentem as verdades de Trump e de seus assessores sobre os efeitos dos tributos na economia.
Na década de 1980, Ronald Reagan embarcou na canoa furada da Teoria da Economia da Oferta, que ignora a questão da demanda para o crescimento, atribuindo à oferta um poder que essa não dispõe para sustentá-lo e rebaixou os impostos dos ricos e das empresas. Colheu um pouco mais de crescimento frente à recessão de 1979-1982, não comprovadamente por causa dessa redução, mas da política monetária menos restritiva implementada após o choque dos juros no final da década de 1970. Em contrapartida, viu o déficit público se elevar e a dívida americana dar um salto de mais de 20 pontos percentuais do PIB, com elevado desemprego e considerável ampliação das desigualdades sociais. Em 1993, Bill Clinton elevou os impostos sobre a renda e, nem por isso, a economia se contraiu, registrando um desempenho apreciável. George Bush novamente reduziu estes impostos, mas não surfou na onda do crescimento esperado. Barack Obama voltou a aumentá-los em 2013, com os Estados Unidos apresentando uma trajetória de recuperação da crise do subprime que vai se consolidando.
A reforma de Trump não deve conhecer destino diferente do de Reagan e de Bush, como alertam os economistas vacinados contra o conto da carochinha do pensamento neoliberal sobre os efeitos da redução dos impostos na economia. Seus principais beneficiários são as corporações, seguindo as tendências mundiais de desoneração de impostos cobrados sobre os lucros das empresas para não comprometer a competitividade da produção, em tempos de globalização, com a alíquota estatutária do imposto de renda rebaixada de 35% para 21%, aproximando-se da média dos países da OCDE.
Mas Trump, embora pretendesse inicialmente maior redução de impostos também para as pessoas físicas, com a diminuição para 35% da alíquota-teto do imposto de renda incidente sobre seus rendimentos, também conseguiu aprovar alguns mimos e alívio para as mais ricas, ainda que temporariamente até 2025, com a redução do teto de 39,6% para 37% e o aumento das isenções tributárias sobre as heranças. De acordo com o Centro de Políticas Tributárias dos Estados Unidos, ainda que o governo tenha procurado vender a ideia de que haveria uma diminuição geral para todos os contribuintes, as mudanças devem beneficiar mais os 1% mais ricos, que terão uma diminuição média de 5,7% dos impostos federais em 2018, percentual que fica entre 0,4% e 1,7% para os 99% restantes.
Apenas três certezas parecem estar se tornando consenso sobre os resultados que se pode esperar da reforma tributária de Trump: 1) o já frágil Estado Social norte-americano deve emagrecer mais ainda, já que, com a queda esperada da arrecadação de US$ 1,5 trilhão nos próximos dez anos, deverão faltar recursos para os programas sociais; 2) as desigualdades sociais devem aumentar, com a combinação de uma menor taxação sobre os ricos e a diminuição dos gastos sociais, exacerbando as tensões sociais; 3) a dívida pública norte-americana, hoje na casa dos US$ 20 trilhões, deve continuar em progressiva expansão com o esperado aumento do déficit nos próximos anos, afetando negativamente as expectativas sobre a situação financeira do governo, como ensina o pensamento econômico dominante.
Trump com seus assessores econômicos, regiamente pagos para resgatar fantasias e farsas teóricas, confundindo interesses particulares com os interesses gerais, movem para trás a roda da ciência econômica e desprezam o bom senso em termos de economia. Quem perde, com isso, é o próprio sistema econômico capitalista, que se torna mais vulnerável às ondas de instabilidade, às crises e ao aumento das tensões sociais.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede e O Beltrano, e autor, entre outros, do livro “Política Econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”.
Obs.: Publicado na Plataforma de Política Social, em janeiro de 2018.
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