Fabrício Augusto de Oliveira*
Temer anda preocupado com a imagem que dele restará ao concluir o mandato presidencial. Em entrevista à Folha de São Paulo, no dia 19 de janeiro deste ano, declarou que vai dedicar o último ano de seu governo a aprovar reformas e a promover sua “recuperação moral”. Não será uma tarefa fácil.
No campo político pouco há a fazer para desfazer a imagem que ele mesmo criou ao fazer escolhas erradas e aprovar medidas que prejudicam a sociedade para agradar aliados. Da equipe de “notáveis” que montou para o seu governo, alguns estão presos (Gedel, Henrique Alves e Cunha), enquanto outros são alvo de investigação no Supremo Tribunal Federal (Moreira Franco, Padilha e Jucá). O próprio Temer conseguiu escapar, até o final de seu mandato, de responder a duas denúncias feitas pela Procuradoria Geral da República, graças às negociações que fez com o Congresso para barrá-las. Mas isso não o livrou de todos os processos, pois outros se encontram sob investigação.
Se pretende recuperar sua moral, como anuncia, terá de explicar convicentemente por que adotou medidas prejudiciais para o meio ambiente, para a população indígena, para os trabalhadores com a restauração do trabalho escravo, a maioria para favorecer os grupos que apoiam seu governo, embora tenha sido obrigado a recuar em alguns casos devido às pressões internas e externas e até mesmo por vê-las barradas na justiça. Da mesma forma, por que concordou com o projeto de anistia tributária, que premia o mau pagador de impostos, e por que insiste na nomeação de Cristiane Brasil para ministra do Trabalho que, de acordo com as notícias que veiculam na imprensa, não é bem uma pessoa que nutra algum respeito pelas leis trabalhistas.
A maior aposta de Temer nessa missão (impossível) parece residir, contudo, nos resultados das reformas que tem realizado e no crescimento mais forte da economia neste último ano de seu governo, o que poderia, acredita, aumentar sua popularidade, retirando-a da zona vergonhosa de um dígito.
Até o momento, as reformas de Temer têm sido feitas para enfraquecer o Estado do bem-estar e o direito dos trabalhadores, em nome de um ajuste fiscal suicida e do aumento do emprego marcado por crescente precariedade. Assim foi com o congelamento dos gastos primários do governo federal, em termos reais, por 20 anos, indicando uma progressiva perda relativa das políticas sociais no orçamento, para recuperar o espaço da riqueza financeira na apropriação dos recursos públicos. A reforma trabalhista, feita, por outro lado, para aumentar a subordinação do trabalho ao capital e limitar suas formas de organização na defesa de seus direitos, criando condições precárias para cada um cuidar de seu próprio nariz. Já a reforma previdenciária, a qual tem se dedicado de forma desesperadora, por mais necessária que seja, apenas retira também direitos da maioria dos trabalhadores para preservar os privilégios dos setores mais poderosos, ao contrário da propaganda enganosa de seu governo.
Temer acredita, no entanto, que os resultados da economia possam funcionar como boia salvadora de sua popularidade. Esgrime, para tanto, o fato de ter conseguido retirar a economia da recessão, com o crescimento previsto de 1%, em 2017, e as projeções que indicam uma expansão de 2,5% neste ano. Não há, contudo, nenhuma garantia de que estes frutos serão colhidos, pelo simples, mas importante fato, de que a economia não foi preparada para isso.
Se o crescimento de 2017 pode ser explicado principalmente pela reversão da queda espetacular do produto entre 2014 e 2016 e pela expansão do consumo das famílias com a liberação de mais de R$ 50 bilhões das contas do FGTS, do PIS e do Pasep, o que não mais se repetirá, e com os ganhos obtidos com a queda da inflação e a redução nominal da taxa Selic, as apostas para 2018 apoiam-se também no maior crescimento da economia mundial para a qual se projeta uma expansão de 3,9% neste ano.
A queda da inflação e a redução dos juros, embora importantes do ponto de vista macroeconômico, não são suficientes para garantir um novo ciclo de crescimento, à medida que persistem vários problemas estruturais e muitas incertezas sobre o futuro da economia, enquanto o melhor desempenho da economia mundial que pode, de fato, abrir oportunidades para o Brasil, também coloca problemas que podem provocar sérias turbulências principalmente para as economias emergentes. Explica-se a razão.
Com o maior aquecimento global comandado principalmente pela economia norte-americana, as taxas de juros do mundo desenvolvido, que permaneceram baixas ou próximas de zero por muitos anos, devem se elevar mais rapidamente com o objetivo de afastar ameaças inflacionárias, pondo cobro à liquidez mais farta e ao crédito mais barato que facilitou a vida das economias emergentes após a crise do subprime. Não sem razão, os mercados financeiros e de ações no mundo reagiram negativamente nos últimos dias ante a divulgação de melhores resultados sobre a solidez da economia americana.
Além disso, a questão fiscal no Brasil deve continuar em progressiva deterioração. Apesar, e por causa, da implementação de uma política econômica excessivamente ortodoxa nos últimos três anos, o déficit público permanece elevado (primário e nominal) e a relação dívida/PIB em trajetória preocupante de crescimento: em 2017, a dívida líquida do setor público fechou o ano em 51,5% do PIB, enquanto a dívida bruta geral dos governos em 74%.
Combinados, a esperada turbulência externa provocada pelo maior crescimento do mundo com a progressiva piora do quadro fiscal no Brasil, pode frustrar os planos de Temer de colher os frutos da economia e salvar seus índices de popularidade, especialmente se se considerar que o país reúne todas as condições para ter rebaixado suas notas de crédito pelas agências internacionais de rating. Por 2018 ser um ano de eleições presidenciais, no qual são muitas as incertezas até mesmo sobre os candidatos que concorrerão, este quadro de turbulências pode se agravar ainda mais.
Temer revela indignação em suas entrevistas com a incompreensão que existe sobre os propósitos de seu governo que, para ele e seus pares, tem como objetivo corrigir os erros cometidos pela administração anterior e recuperar a esperança do crescimento e do emprego. Ao ter sido seduzido, contudo, pelo conto da carochinha do pensamento conservador sobre a necessidade de fazer um ajuste fiscal suicida para salvar a economia (leia-se a riqueza privada), mesmo sacrificando a população e a economia, e de ter sido levado a abrir as portas do Estado para conceder favores às aves de rapina do dinheiro público, na prática fechou-as para os objetivos que sustenta perseguir. Tornou, assim, impossível a missão que ambiciona realizar.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede e O Beltrano, e autor, dentre outros, do livro “Economia e Política das Finanças Públicas no Brasil: um guia de leitura”.
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